Desde 1970 que a Globo flerta com o tema da Homossexualidade em suas novelas, seu primeiro personagem gay foi o carnavalesco Rodolfo Augusto, interpretado por Ary Fontoura, em Assim na Terra Como no Céu, somente cinco anos após sua fundação. Em 1974, em O Rebu, Conrad Mahler (Ziembinsky) apaixonado por Cauê (Buza Ferraz) matou Silvia (Bete Mendes) para que eles não ficassem juntos. É bom lembrar que estamos aqui falando dos anos mais terríveis da Ditadura Militar. O AI-5 estava em vigor e ficaria até 1978. O Conselho Superior de Censura (criado em 1968) podia tirar qualquer programa destes do ar ou mandar retirar um personagem da trama com uma imensa facilidade. Mas, para a equipe criativa da Globo, que nestas novelas citadas, respectivamente, tinham Dias Gomes e Walter Gomes e Bráulio Pedrozo e Walter Avancini, valia a pena contar uma história que personagens gays tivessem uma real participação na trama.
Mas mesmo assim em Assim na Terra Como no Céu a trama da novela abordava os costumes da juventude "dourada" de Ipanema, e abordava temas como o celibato de padres, o consumo de drogas. Inicialmente a novela estava cotada para ser exibida no horário das 20h, ainda em 1966 e 1969, em ambos os casos barrada pelo vice-presidente José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boninho. Este alegava que queria acabar com os excessos dramáticos no horário e focar em produções com temas mais realistas como as novelas da sua concorrente TV Excelsior, no entanto, exibiu, em 66, O Rei dos Ciganos e, em 69, Véu de Noiva, ambas consagradas como exemplos de dramalhões (ao molde mexicano) que remetiam ao sucesso anterior de O Ébrio, de 1965. Assim na Terra Como no Céu, contudo, foi exibida no horário das 22h. O discurso dos diretores da Rede Globo sempre remetera a uma modernidade vanguardista, porém eles continuavam fazendo aquilo que já tinham conseguido com algum sucesso anteriormente. Foi uma surpresa a novela ser aprovada (mesmo com a mudança de horário) e, graças ao seu enorme sucesso, lançou Francisco Cuoco e Renatah Sorrah, protagonistas da novela, ao estrelato imediato.
Não obstante o discurso dos administradores da TV Globo de vanguarda, eles sempre administraram a TV segundo os critérios de "time que está ganhando não se mexe". E também, como concessão estatal, o medo de que tivessem sua TV cancelada deveria ser uma constante. Por exemplo, escrevendo os últimos capítulos da novela, Dias Gomes foi chamado para depor sobre suas supostas atividades subversivas, com certeza relacionadas a própria novela. Já O Rebu tentou ousar ainda mais. Toda a trama da novela se passava em apenas um dia da vida dos personagens. Durante uma festa, Bráulio Pedrozo contava o desenrolar de um assassinato e ao público cabia descobrir quem era o assassino através de pistas dadas através de flashbacks. Absolutamente inspirado nos romances de Agatha Christie e no cinema policial da década de 1950, a ação transcorre em três tempos distintos: o presente, a investigação dos policiais durante a festa; o passado recente, os eventos que aconteceram durante a festa; o passado longínquo, o passado e o relacionamento dos personagens.
Pode parecer que, por causa da Ditadura Militar, a intelectualidade militante estava de mãos atadas para falar sobre o que era ser gay. Este é um grande engano. Jornais caseiros como O Snob, Le Femme, Subúrbios da Noite, Gente Gay, Aliança de Ativistas Homossexuais, Eros, La Saison, O Centauro, O Vic, O Grupo, Darling, Gay Press Magazine, 20 de Abril, O Centro e o Galo, foram publicados de 1961 a 1969, no Rio de Janeiro, enquanto Fatos e Fofocas, Zéfiro e Baby, eram publicados em Salvador no mesmo período; na década de 1970, temos o Lampião de Esquina, publicado a partir de 1977, e O Beijo; enquanto em Salvador publicava-se Little Darling, Ellos, Caderno Eros e Entender; e em São Paulo, a partir de 1978, publicava-se diariamente no Última Hora a Coluna do Meio. Apesar da repressão militar, eram tempos efervescentes para escritores, jornalistas, atores e músicos gays que traziam sopros de ar fresco para a arte brasileira em todas as suas facetas.
Mas era difícil ainda inovar na emissora de Roberto Marinho. Em 1981, por exemplo, em Brilhante, de Gilberto Braga e Daniel Filho, o personagem Inácio Newman (Dennis Carvalho) participava da trama central da novela já que o casamento que sua mãe, Chica (Fernanda Montenegro) desejava para ele impedia que a mocinha Luiza (Vera Fischer) ficasse com o galã Paulo César (Tarcísio Meira). Quem descobre a homossexualidade de Inácio é exatamente Luíza que conta tudo para Chica e esta passa a hostilizar a mocinha. No entanto, com a morte do pai, Inácio se ver obrigado a casar, e encontra a carreirista Leonor (Renatah Sorrah), e se vê livre das pressões da mãe. Brilhante teve um grande problema com a censura. Gilberto Braga não estava autorizado a utilizar a palavra "Homossexual" no folhetim. Ele contornava o problema através de eufemismos. Quando Luíza confronta Chica sobre Inácio, as palavras que ela utilizou para afirmar que Inácio era gay foram: "os problemas sexuais do seu filho".
Contudo, apesar da ditadura militar brasileira ter se encerrado em março de 1985, o mesmo problema acontecera em 1986, na Roda de Fogo de Lauro César Muniz e Dennis Carvalho, em que o vilão Mário Liberato (Cécil Thiré) que prejudicava a vida dos mocinhos do folhetim não podia ser chamado de "homossexual", cenas em que Carolina (Renata Sorrah) falava sobre isto foram cortadas da novela. Contudo, apesar de não ser dito, a sexualidade de Mário era tão clara que prejudicou o ator que o vivia. Incapazes de separar o ator do personagem, Thiré contou em entrevistas que ele teve problemas com a fama de gay que ele tomou emprestado do personagem. Numa entrevista dada a Isto É ele dizia que ninguém nunca disse-lhe nada diretamente, porém que ele perdeu trabalhos publicitários à época da novela. Outro problema com a censura se deu em 1987 quando Dias Gomes e Ricardo Waddington lançaram sua versão da tragédia grega Édipo Rei, Mandala, com Vera Fisher como Jocasta, Felipe Camargo como Édipo e Perry Salles como Laio. Seguindo a mitologia grega em que se baseia a trama da novela, Laio era bissexual com um amante chamado Cris (Marcelo Picchi) e que acaba assassinado pelo filho, Édipo. Os temas da peça grega (incesto e bissexualidade) quase vetaram a exibição da novela no horário das 20:30h.
Mas mesmo assim em Assim na Terra Como no Céu a trama da novela abordava os costumes da juventude "dourada" de Ipanema, e abordava temas como o celibato de padres, o consumo de drogas. Inicialmente a novela estava cotada para ser exibida no horário das 20h, ainda em 1966 e 1969, em ambos os casos barrada pelo vice-presidente José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boninho. Este alegava que queria acabar com os excessos dramáticos no horário e focar em produções com temas mais realistas como as novelas da sua concorrente TV Excelsior, no entanto, exibiu, em 66, O Rei dos Ciganos e, em 69, Véu de Noiva, ambas consagradas como exemplos de dramalhões (ao molde mexicano) que remetiam ao sucesso anterior de O Ébrio, de 1965. Assim na Terra Como no Céu, contudo, foi exibida no horário das 22h. O discurso dos diretores da Rede Globo sempre remetera a uma modernidade vanguardista, porém eles continuavam fazendo aquilo que já tinham conseguido com algum sucesso anteriormente. Foi uma surpresa a novela ser aprovada (mesmo com a mudança de horário) e, graças ao seu enorme sucesso, lançou Francisco Cuoco e Renatah Sorrah, protagonistas da novela, ao estrelato imediato.
Não obstante o discurso dos administradores da TV Globo de vanguarda, eles sempre administraram a TV segundo os critérios de "time que está ganhando não se mexe". E também, como concessão estatal, o medo de que tivessem sua TV cancelada deveria ser uma constante. Por exemplo, escrevendo os últimos capítulos da novela, Dias Gomes foi chamado para depor sobre suas supostas atividades subversivas, com certeza relacionadas a própria novela. Já O Rebu tentou ousar ainda mais. Toda a trama da novela se passava em apenas um dia da vida dos personagens. Durante uma festa, Bráulio Pedrozo contava o desenrolar de um assassinato e ao público cabia descobrir quem era o assassino através de pistas dadas através de flashbacks. Absolutamente inspirado nos romances de Agatha Christie e no cinema policial da década de 1950, a ação transcorre em três tempos distintos: o presente, a investigação dos policiais durante a festa; o passado recente, os eventos que aconteceram durante a festa; o passado longínquo, o passado e o relacionamento dos personagens.
Pode parecer que, por causa da Ditadura Militar, a intelectualidade militante estava de mãos atadas para falar sobre o que era ser gay. Este é um grande engano. Jornais caseiros como O Snob, Le Femme, Subúrbios da Noite, Gente Gay, Aliança de Ativistas Homossexuais, Eros, La Saison, O Centauro, O Vic, O Grupo, Darling, Gay Press Magazine, 20 de Abril, O Centro e o Galo, foram publicados de 1961 a 1969, no Rio de Janeiro, enquanto Fatos e Fofocas, Zéfiro e Baby, eram publicados em Salvador no mesmo período; na década de 1970, temos o Lampião de Esquina, publicado a partir de 1977, e O Beijo; enquanto em Salvador publicava-se Little Darling, Ellos, Caderno Eros e Entender; e em São Paulo, a partir de 1978, publicava-se diariamente no Última Hora a Coluna do Meio. Apesar da repressão militar, eram tempos efervescentes para escritores, jornalistas, atores e músicos gays que traziam sopros de ar fresco para a arte brasileira em todas as suas facetas.
Mas era difícil ainda inovar na emissora de Roberto Marinho. Em 1981, por exemplo, em Brilhante, de Gilberto Braga e Daniel Filho, o personagem Inácio Newman (Dennis Carvalho) participava da trama central da novela já que o casamento que sua mãe, Chica (Fernanda Montenegro) desejava para ele impedia que a mocinha Luiza (Vera Fischer) ficasse com o galã Paulo César (Tarcísio Meira). Quem descobre a homossexualidade de Inácio é exatamente Luíza que conta tudo para Chica e esta passa a hostilizar a mocinha. No entanto, com a morte do pai, Inácio se ver obrigado a casar, e encontra a carreirista Leonor (Renatah Sorrah), e se vê livre das pressões da mãe. Brilhante teve um grande problema com a censura. Gilberto Braga não estava autorizado a utilizar a palavra "Homossexual" no folhetim. Ele contornava o problema através de eufemismos. Quando Luíza confronta Chica sobre Inácio, as palavras que ela utilizou para afirmar que Inácio era gay foram: "os problemas sexuais do seu filho".
Contudo, apesar da ditadura militar brasileira ter se encerrado em março de 1985, o mesmo problema acontecera em 1986, na Roda de Fogo de Lauro César Muniz e Dennis Carvalho, em que o vilão Mário Liberato (Cécil Thiré) que prejudicava a vida dos mocinhos do folhetim não podia ser chamado de "homossexual", cenas em que Carolina (Renata Sorrah) falava sobre isto foram cortadas da novela. Contudo, apesar de não ser dito, a sexualidade de Mário era tão clara que prejudicou o ator que o vivia. Incapazes de separar o ator do personagem, Thiré contou em entrevistas que ele teve problemas com a fama de gay que ele tomou emprestado do personagem. Numa entrevista dada a Isto É ele dizia que ninguém nunca disse-lhe nada diretamente, porém que ele perdeu trabalhos publicitários à época da novela. Outro problema com a censura se deu em 1987 quando Dias Gomes e Ricardo Waddington lançaram sua versão da tragédia grega Édipo Rei, Mandala, com Vera Fisher como Jocasta, Felipe Camargo como Édipo e Perry Salles como Laio. Seguindo a mitologia grega em que se baseia a trama da novela, Laio era bissexual com um amante chamado Cris (Marcelo Picchi) e que acaba assassinado pelo filho, Édipo. Os temas da peça grega (incesto e bissexualidade) quase vetaram a exibição da novela no horário das 20:30h.
Em 1988, outros personagens gays foram utilizados nas tramas das noites da TV Globo. No estrondoso sucesso, Vale Tudo, teríamos Cecília (Lala Dehelnzelin) e Laís (Cristina Prochaska), contudo, nos primeiros capítulos, a morte de Cecília permite a Gilberto Braga e Aguinaldo Silva discutir sobre o direito a herança entre um casal homossexual, já que o irmão de Cecília, interpretado por Reginaldo Faria, tenta tomar de Laís a pousada que ela abrira com sua esposa. A censura também agiu neste caso. Vários diálogos entre as personagens tiveram que ser reescritos por Braga e a cena em que elas contava a Heleninha (Renatah Sorrah) sobre o preconceito que sofriam por causa do seu relacionamento foi completamente cortada do episódio em que seria exibida.
Talvez pela epidemia e morte de atores e músicos ceifados pela AIDS como, aqui no Brasil, Lauro Corona (1989) e Cazuza (1990), o tema tornou-se novamente tabu dentro da televisão brasileira e suas novelas. Também é interessante ver que até 1985 os autores brasileiros lutavam contra a censura da Ditadura Militar, mas com a redemocratização a mesma censura, exatamente nos mesmos moldes continuou a ser utilizada. Porém, é denunciador saber de onde vinha esta censura ao ver que no site da Rede Globo, na parte dedicada a memória da emissora, eles acusam todas estas censuras feitas mesmo depois de 1985 de terem sido feitas por uma "Censura Federal", uma entidade basicamente inexistente, mas que se torna a desculpa perfeita para os vanguardistas diretores da emissora continuarem conservadores como sempre foram.
Talvez pela epidemia e morte de atores e músicos ceifados pela AIDS como, aqui no Brasil, Lauro Corona (1989) e Cazuza (1990), o tema tornou-se novamente tabu dentro da televisão brasileira e suas novelas. Também é interessante ver que até 1985 os autores brasileiros lutavam contra a censura da Ditadura Militar, mas com a redemocratização a mesma censura, exatamente nos mesmos moldes continuou a ser utilizada. Porém, é denunciador saber de onde vinha esta censura ao ver que no site da Rede Globo, na parte dedicada a memória da emissora, eles acusam todas estas censuras feitas mesmo depois de 1985 de terem sido feitas por uma "Censura Federal", uma entidade basicamente inexistente, mas que se torna a desculpa perfeita para os vanguardistas diretores da emissora continuarem conservadores como sempre foram.
PARTE II: A REPRESSÃO PARTE III: A POPULARIZAÇÃO
Contribuiu neste texto: Serginho Tavares.