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terça-feira, 17 de setembro de 2013

Fenícia: A Poesia de Cartago

Porto de Cartago


Como já dissemos, Cartago era a capital do maior império fenício. Ela teria sido fundada por homens vindos da cidade de Tiro por volta do século XX antes do nascimento de Cristo, mas por volta de 814 a.C., já havia se tornado um grandioso império marítimo espalhando colônias pela norte da África, Sicília, Península Itálica, Sardenha e Espanha, existem registros que navegadores cartagineses alcançaram ainda a Portugal, Bretanha e o Atlântico Norte, onde não fixaram colônias, mas faziam comércio com celtas, bretões e vikings. No século V a.C., o império cartaginês ameaçou o controle do mediterrâneo pela marinha ateniense, e entre 264 e 214 a.C., pelo mesmo motivo, iniciaram-se as Guerras Púnicas, contra o império romano, que terminou com o território de Cartago destruído e salgado para que nada crescesse ali novamente, ou seja, Cartago foi inimiga dos principais impérios europeus da Antiguidade pelo mesmo motivo, ambos necessitavam controlar o Mar Mediterrâneo, porém este já pertencia aos fenícios.
Como um rico império, as artes se desenvolveram a contento, contudo, infelizmente, o que nos restou desses textos são aqueles a capital púnica legou de poetas que escreviam em latim (língua internacional da época do Império Romano), porém entre estes temos vários que narravam em sua poesia relações homoeróticas. Podemos citar, por exemplo, Nemessiano (por volta de 283 d.C.).
Marcus Aurelius Olimpius Nemesianus, ou somente Nemessiano, é um poeta que escrevia em latim, nascido em Cartago, por volta de 283 d.C. Fenício de nascimento, mas educado em Roma, era um poeta popular na corte do imperador romano Carus, apesar de comumente ser considerado pouco original, e escrevia poemas sobre a arte da pesca, Halieutica; sobre esportes aquáticos, Nautica; e sobre a caça, Cynegetica; deste último, no entanto, apenas um fragmento de 325 linhas foi preservado, apesar disso, seu latim é tão clássico que este enxerto foi usado como em escolas de poesia durante toda a Idade Média. Existem no entanto quatro bucólicas, poemas de tema pastoral, e um Elogio a Hércules, que também são atribuídos a ele.
É nos seus poemas pastorais, as bucólicas, que aparecem as referências homoeróticas. Nemessiano seguiu, na verdades, os passos de Virgílio (já falamos de sua falta de originalidade) com suas éclogas, que são poemas cujos personagens normalmente são pastores em forma de diálogo ou, às vezes, um solilóquio, que registram a equivalência entre o desejo sexual entre homens e mulheres e entre dois homens. Ele fala através de uma série alternada de discursos no qual Mopso, a quem Meroe solteira evita, discute com Lícidas, cujo amor o jovem Iolas despreza.
Tal comparação é extremamente comum nas pastorais, como explica João Beato. Nemessiano quem diz: "Cante cada um o que é objeto do seu amor. As canções também aliviam o males do amor"  (Ecl 4,19). No entanto, afirma João Beato, que se o amor de Mopso e Meroe se reveste dos elementos da poesia pastoril, o mesmo não sucede com o amor de Lícidas e Iolas. A diferença é que enquanto o amor entre Mopso e Meroe pode ser eterno, Lícidas e Iolas tem pouco tempo porque a beleza (formosus) de Iolas vai abandoná-lo quando sua barba crescer, pois a beleza dos meninos "é uma dádiva efêmera" (Ecl 4,27). Por fim, Lícidas aconselha: "Todo aquele que ama os rapazes, não se apresse e aprenda a amar longa e pacientemente. Não menospreze a circunspecção dos tenros anos e suporte até o fim as desventuras. Se é que algum deus ouve os enamorados em suas angústias" (Ecl 4,57-60).
Nota-se que o modelo de amor homoerótico colocado pelo poeta fenício ainda é o padrão idealizado que coloca um homem que ocupa a posição dominante como mais velho (esta posição dominante está tanto na situação de ativo na relação sexual como também na igualdade entre Lícidas e Mopso, os dois estão no lugar  masculino do relacionamento), enquanto o mais jovem está numa posição submissa e também feminina (afinal Iolas e Meroe estão na mesma posição dentro do poema, como objetos de desejo que podem ou não ceder seus favores, que precisam ser conquistados por seus amantes). É importante notar que este formato de "homem mais velho com um jovem" é considerado por todos os historiadores como um modelo-ideal, como uma situação em que este comportamento era sim considerado apropriado e que, o mesmo, também só poderia continuar (para manter-se aceitável) se o relacionamento se encerrasse aos primeiros sinais de barba no rosto do jovem Iolas. Contudo, acredita-se que apesar desta ser a regra, ela era comumente ignorada, relatos que envolvem homens mais velhos sendo passivos para jovens ou de garotos da mesma idade tendo relações sexuais também são comuns em várias outras referências, sinalizando que apesar deste modelo-ideal, os relacionamentos entre homens podiam ser bem mais subversivos.


6 comentários:

  1. Oi Foxx, adoro esses seus textos históricos, apesar de não ser a area onde atuo ou a area onde eu tenha um vasto conhecimento como você, mas é bem legal ler estes textos históricos, espero que sempre continue publicando eles.


    Caio Jr. - RN

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    1. Fico feliz que vc goste, Caio, de verdade, sempre tenho a impressão que ninguém gosta desta sessão por causa do número escasso de comentários

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  2. Pode dar sua opinião do novo capítulo?

    A loja demoníaca capítulo 3

    http://desenhode.blogspot.com.br/2013/09/a-loja-demoniaca-capitulo-3_19.html#more

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  3. Desde sempre quiseram criar "regras" pra tudo, né??

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    1. as regras organizam o mundo, não é?

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    2. É, mas uma obsessão exagerada por organização é doença, né??

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway