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terça-feira, 23 de julho de 2013

China: O Vento Sul



As fontes dos quais se originaram os deuses que fazem parte dos mitos chineses são inúmeras, porém nós temos na China quatro bases religiosas, o culto universal dos antepassados, que constitui (ou fez até 1912 d.C.) o Estado, o confucionismo, temos deuses também de religiões específicas como o budismo e o taoísmo, e por fim uma série de religiões xamânicas que existiam antes de todas estas religiões que foram adotadas pelo Estado, estas religiões xamânicas eram toleradas pelo Estado chinês, mas não reconhecidas como religiões chinesas. É com um breve relato desse hierarquia e sua mitologia que agora vamos nos preocupar.
Além do ancestral comum que era adorado, e o culto do Estado, as pessoas tomaram o Budismo e o Taoísmo, que se tornaram as religiões populares, e os literatos também homenagearam os deuses dessas duas seitas. Divindades budistas gradualmente se instalaram em templos taoístas, e os imortais taoístas ganharam assentos ao lado do Buddhas em seus santuários. Cada um adotando o deus que lhe parecia o mais popular e mais lucrativo. Há até aqueles que chegaram a estar unidos no mesmo templo e adorar no mesmo altar os três fundadores religiosos ou figura-cabeças, Confúcio, Buda e Lao Tzu. As três religiões foram sequer consideradas como formando um todo, ou pelo menos, apesar de diferente, como ter um único e mesmo objeto: san Erh i yeh , ou han san wei i ", os três são um", ou "os três se unem para uma forma" (a citação da frase T'ai chi han san wei i de Fang Yu-lu: "Quando eles chegam ao extremo os três são vistos como um"). Nas representações pictóricas do panteão desta imparcialidade é claramente mostrada.
Um deus taoísta é Lan Caihe. Este é um dos Oito Imortais do Taoísmo. Este imortal é normalmente representado com roupas sexualmente ambíguas, sempre muito jovem, como um menino ou uma menina carregando uma cesta de bambu com flores. As histórias sobre o comportamento de Lan costumam ser considerado erráticas, em algumas fontes ele aparece vestido de azul, e se referem a ele como o imortal patrono dos trovadores. Em outra tradição ele é uma cantora cujas canções, acompanhadas de suas castanholas, preveem o futuro com precisão. Sua música é sempre acompanhada com bater de palmas e marcações com os pés no chão. Quem ouve sua música sempre se diverte e, ao ouvi-la, deve doar moedas aos mais necessitados. Sua versão masculina é bastante parecida com os outros sete imortais. Conta-se que ele, um dia, estava bêbado em uma taverna e levantara-se para ir ao banheiro, no caminho foi sequestrado por um cisne, no caminho suas roupas caíram, por isso ele é frequentemente descrito usando apenas um sapato, sempre nu no inverno, no entanto, ele também é descrito usando roupas grossas do verão.
O Taoísmo chinês é caracterizado por esta constante necessidade de manter as relações homoeróticas sob um princípio dúbio, como já vimos. Controlados de perto pelo Estado e voltado sobretudo para as camadas mais elitizadas da população, o Tao é o caminho da virtude. Um de seus textos sagrados, Os Provérbios de Lao Tzu, diz: 

Aquele que age de acordo com o Tao, torna-se um com o Tao. Aquele que segue o caminho da virtude torna-se um com a virtude. Aquele que segue um curso da vitória torna-se um com o vitória. O homem que é um com Tao, Tao também tem o prazer de  o receber. O homem que é um com a virtude, a virtude também tem o prazer de o receber. O homem que é um com o vitória, a vitória também tem o prazer de o receber.

No entanto, nos níveis mais populares, as referências religiosas eram em sua maioria baseadas na tradição xamânica pré-taoista e pré-confucionista, personalidades divinizadas. Um dos exemplos destes mitos é o deus das relações sexuais anais, Zhou-Wang. Zhou foi o último imperador da dinastia Shang (1766-1046 a.C.) e era muito dado a devassidão. Seu passatempo favorito era fazer seus escravos nadarem pelados numa piscina cheia de vinho. Quando foi derrubado, apesar da ajuda de Cai-Shen, o grande guerreiro que montava um tigre negro, e ascendeu aos céus para usufruir de sua imortalidade, não havia nada apropriado para ele reger na criação. Deste modo, os juízes celestiais criaram um posto especial para ele: deus das relações sexuais anais. Foi-lhe então concedido um templo em Henan. Zhou-Wang é um exemplo de um personagem que não vive pelo caminho do Tao, o que o faz provavelmente por ter relação com a tradição xamânica anterior ao Taoísmo, que era sobretudo matriarcal, e, portanto, não vive preso dentro dos dogmas da religião. 
Na tradição popular o mesmo problema moral não ocorre. Entre a população acostumada com as regras de sua religião xamânica, liderada por sacerdotisas que estabeleciam uma espécie de religião matriarcal, as regras morais não eram as mesmas que eram impostas a elite da sociedade chinesa, que precisava usar inúmeros subterfúgios para falar dos mesmos assuntos, usando as metáforas que citamos antes, inclusive uma última, o Vento Sul, porque o amor entre pessoas do mesmo sexo havia sido inventado em um sul mítico e teria sido trazido a China pelo vento. 

7 comentários:

  1. Desculpe a brincadeira mas sempre gostei do "Vento Sul" ... seja ele uma brisa ou um vendaval ... puro fetiche ... rs

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  2. Nossa, muita informação! Tive que ler duas vezes! (rs) Primeira dúvida: fiquei confuso com essa de “deuses budistas”. Do pouco que eu conheço, o budismo é uma religião “sem deus”... to errado? Outra: se entendi direito, você diz que o Tao “julga” moralmente a homossexualidade. É isso? Vou ler de novo.

    Abração

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    1. adoro perguntas!
      então, em teoria o budismo é uma religião ateísta, em que Buda é um ser humano que ascende graças ao caminho correto que ele vive, as 4 verdades sagradas. Porém, o teísmo invadiu a religião facilmente, primeiro deificando Buda e, segundo, absorvendo deuses de religiões politeístas dos lugares que eram ocupados pelos budistas e que eram integrados ao culto budista. Um bom exemplo é o caso de Kuan Yin, que é uma deusa chinesa antiquíssima, mas que é absorvida pelo budismo chinês sem nenhuma vergonha, apesar de contradizer a ideia original da religião.

      sim, o Tao constrói um modelo de vida que as relações sexuais, homoeróticas ou não, não devem acontecer, digamos, com naturalidade. Para o Tao é feio falar sobre sexo, por ex, não é errado fazê-lo, mas o pudor taoista, a palavra correta é essa, pudor, não moral, é o pudor que define que não se deve falar sobre esse assunto.

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    2. Agora entendi! Acho que eu tive mais contato com o Zen, daí a minha estranheza. Já essa visão do Tao me surpreendeu. Mas nem vou discutir com um mestre, né! (rs)

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    3. Exatamente, Adriano, no mundo ocidental, o budismo que fez mais sucesso foi o zen-budismo que não é chinês, é uma sintetização japonesa de ensinamentos do budismo e do taoismo que se baseia em monges budistas em meditação contemplativa, isto é, a meditação é o meio para a ascensão.
      o Tao, literalmente, sempre me surpreende, Adriano.

      e sobre discutir com o "mestre", querido, por favor, não sou mestre em nada, sou no máximo um professor, e o que mais instiga um professor a continuar ensinando é quando ele é questionado, quando se discute com ele, a discussão é a alma da inteligência. então, por favor, discuta!

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  3. gentes, ler esse post já me deu uma boa base. Neste semestre devo fazer uma disciplina que tem muita relação.... Orientalismo Português: imagens da China na literatura portuguesa... =)

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    1. pois então aproveita, Gustavo, e vê os outros textos sobre China aqui no blog, só clicar em HomoHistória lá em cima.

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway