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terça-feira, 31 de julho de 2012

Israel: O Código de Santidade do Levítico



O Levítico é o terceiro livro da Bíblia, parte do Pentateuco, para os cristãos, e da Torá, para os judeus, que são constituídos pelos cinco primeiros livros, a saber o Gênese, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. É considerado um dos livros históricos e sua autoria é atribuída a Moisés que o teria escrito enquanto vagava pelo deserto árabe, após a fuga do Egito; no entanto, sua escrita é provavelmente da época em que os judeus estavam sendo dominados pelos babilônicos, em 500 a.C. O Livro foi composto para servir como manual religioso para os levitas, os sacerdotes encarregados do culto que eram escolhidos entre os membros da tribo de Levi. E portanto é um manual de regras para definir como devem ser feitos os sacrifícios ao Senhor (1-7); como os sacerdotes são consagrados (8-10) e legisla sobre a pureza (11-17) e santidade do povo judeu (17-26). 
Esta legislação sobre a pureza e santidade do povo judeu é um dos elementos mais importantes deste livro. Escrito no exílio, era importante para aquela população se diferenciar dos babilônicos, seus captores, e das outras etnias que existiam em torno deles como os cananeus, fenícios, hurritas, assírios e outros. O Levítico é basicamente um livro para expressar identidade. Ele dita as leis, regras e tabus que definem as Doze Tribos isreaelitas como uma população única que dividem a mesma identidade étnica. Dallmer de Assis afirma que através deste livro as Tribos de Israel pretendem criar para si uma unidade cultual, ética e sexual.
Exilados no estrangeiro, seu grande desafio era conservar a própria identidade, para isso eles se mantinham articulados graças a práticas simbólicas (usos e costumes) que os distinguisse e separasse, ou seja, os tornasse santos (separados). Define-se, por exemplo, que quando a mulher fica menstruada, torna-se impura por sete dias, e tudo que ela tocar ou tocar nela, inclusive aqueles que fizerem sexo com ela (15:19-31); ou que se uma casa for tomada pela lepra, o chefe da casa deve imediatamente avisar ao sacerdote (14:35); que os meninos serão circuncidados após o oitavo dia de nascimento (12:3); e que animais podem ser comidos ou não (11:1-46), sendo considerado uma abominação aquele que desobedece qualquer uma dessas regras. No capítulo 18, tem-se orientações para que Israel não se comporte como as outras nações, principalmente em relação aos seus comportamentos sexuais, cita-se precisamente os egípcios e os cananeus (18:3), cujos casamentos endogâmicos nas famílias reais era comum, e em Israel o incesto torna-se tabu. "Nenhum de vós se achegará àquela que lhe é próxima por sangue, para descobrir sua nudez" (18:6), "não descobrirás a nudez de teu pai, nem a de tua mãe" (18:7), "não descobrirás a nudez da mulher de teu pai" (18:8). É neste contexto que se diz: "Não te deitarás com um homem, como se fosse mulher: isso é uma abominação" (18:22). 
No capítulo 20, estes tabus ganham pena porque ofendem diretamente ao Deus. O capítulo começa com o Senhor de Israel lembrando o contrato em que seu povo tem com ele: "Todo israelita ou estrangeiro que habita em Israel e que sacrificar um de seus filhos a Moloc será punido de morte. O povo da terra o apedrejará" (20:2). E também: "Se alguém se dirigir aos necromantes ou aos adivinhos para fornicar com eles voltarei meu rosto contra esse homem e o cortarei do meio do povo" (20:6). Este capítulo trata da participação dos membros de Israel dentro de cultos de outras religiões, e neste caso exatamente se fala dos rituais comuns em terras babilônicas em que o fiel tinha relações sexuais com o sacerdote do templo para saber a vontade do deus, mas também das leis que regem o casamento e os tabus sexuais de incesto e das relações homoeróticas:  "Se um homem dormir com outro homem, como se fosse mulher, ambos cometerão coisa abominável. Serão punidos de morte e levarão a culpa" (20:13).
Em resumo, o que o Levítico proíbe é que o povo de Israel se comporte como seus vizinhos ou seus captores. Uma "abominação" sempre corresponde a uma prática pagã e idólatra, as penas de morte só são impostas para aqueles israelitas que não se comportam como membros de sua própria comunidade adotando comportamentos que vão de encontro ao que define a sua identidade. No entanto, David Stewart propõe uma outra interpretação. Ele reforça que o contexto em que ambas as proibições aparecem é um contexto de proibição de incesto. É o momento em que se regra que mãe e filho, pai e filha, irmão e irmã não podem ter relações sexuais, Stewart questiona se esta regra não pretende falar dos relacionamentos sexuais entre pai e filho e entre irmão e irmão. A tese de Stewart é nova, oriunda de sua tese de doutoramento em 2000, e resolve dois problemas tradicionais: 1) Por que códigos israelitas anteriores ao Levítico não possuem proibições às relações homoeróticas?; e 2) Por que não existem proibições incestuosas entre pai e filho já que leis hititas anteriores são tão claras a respeito disso?




23 comentários:

  1. Entendo quase nada de cultura e religião hebraica, mas me parece que David Stewart tem razão. Não lembro onde li que, no hebraico, a expressão “ver a nudez” tem uma forte conotação sexual, como nos versículos que você cita... “não descobrirás a nudez de teu pai...”. Existe a história, você deve saber melhor que eu, da maldição de Noé sobre Cam, seu filho, e toda a sua descendência, acho que está em Gênesis 9: 18-28 (22: “...Cam, pai de Canaã, vendo a nudez do pai, fê-lo saber...”). Isso reforçaria o argumento de que a proibição do Levítico tem a ver com incesto e não com a relação homoerótica?

    Bom demais seus textos...

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    1. sim, Lucas, inclusive o próximo texto é sobre Cam e Noé.

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  2. Gostei da aula, do texto.
    As proibições sempre têm alguma lógica segundo a cultura de cada época?
    Se assim for, em nossa época, tirando os casamentos cosanguíneos (incesto), não haveria (como creio que não há) motivo que justifique outras restrições. Sexo existe como prazer, mas sobretudo como fonte de atração entre as pessoas.

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    1. sim, a ideia dessa minha coluna é exatamente esta, Alex, mostrar que estas proibições, quando acontecem, só fazem sentido dado o contexto em que as pessoas vivem naquele tempo. transportar uma proibição anterior a Cristo para os dias de hoje não funciona por puro anacronismo.

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  3. Baita aula. Mesmo! E os gregos estavam ótimos mesmo! Hugz!

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  4. Gostei demais do texto Foxx... vc é bom nisso.
    Abraços

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  5. "Baita aula mesmo!" [2] Eu, que já fui "crente" bem sei o quanto essa gente "joga" em nossas caras esses versículos sem contexto algum... Além dessa passagem de Levítico, há também a passagem em Romanos 1:27-28, que são usadas hoje como argumento contra a homossexualidade. Ótima iniciativa!

    Abraços!

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    1. sim, Freddie, falarei de Romanos, mas depois.

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  6. Muito bom o texto. A bíblia e suas palavras que são impróprias para nossos dias atuais.
    Abraços.

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    1. não são impróprias, só precisam de seu contexto. e tudo precisa de contexto.

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  7. Muito interessante e informativo :)

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  8. Oi Foxx!
    O tecido bíblico é muito complexo e, no que diz respeito ao Pentateuco, é muito mais elaborada. Embora possua elementos muito antigos, os vários extratos redacionais que compõe o livro do Levítico só ganharam forma mais ou menos definitiva no exílio. E, após o retorno, com a reforma de Esdras e Neemias é que se impõe definitivamente.
    O eixo da reforma é: a Lei, o Culto, a Raça Eleita, povo santo e separado. Tudo o que era estranho ou tinha alguma ligação com os povos circunvizinhos foi renegado pela intransigência da reforma, para salvaguardar a comunidade renascente. O levítico surge com toda a sua autoridade nesse contexto de reedificação da identidade nacional de Israel. Mas, a observância rígida da Lei, desligada da vida, torna-se um moralismo opressor. Neste período surge também toda uma literatura de oposição – Ruth, II Isaías, Jonas, Jó – que vai em um sentidi inverso. Mas isso já é uma outra história...
    Mais uma vez um ótimo post.

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  9. Renatão Helmut é O CARA! Hugzzzz!

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  10. Uma coisa que não tem muito a ver com o seu texto (que como sempre é muito bom), mas diz respeito ao povo hebreu é que, ao mesmo tempo em que se tem uma das religiões mais rígidas em relação à homossexualidade, o símbolo desse povo, Davi, tem uma história bem mal contada com seu “amigo” Jonatas. Acho isso bem interessante...

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    1. assunto de um proximo post, Cesinha, naum adianta as coisas. hehehe

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  11. Tb pudera... quem não iria querer te "bulinar"... hehehehe!!

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  12. Oi ... Grato pela aula. Elucidativa. Logo no início você citou que a ideia era manter a identidade da tribo ditando regras básicas a serem seguidas, sendo uma delas proibir o incesto. Pois bem, no que li isso: "Não te deitarás com um homem, como se fosse mulher: isso é uma abominação", interpretei como proibição pai deitar com filho e/ou irmão com irmão. Bem no modelo da tese do Sr. Stewart. Bem, nisso me pego pensando no porquê de alguns seguimentos religiosos, para tentar "abominar" o homoerotismo, levarem os escritos ao "pé da letra" ao invés de interpretá-los. Abraços !!!

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    1. estes seguimentos religiosos interpretam desse jeito, qrido, pq eles não tem conhecimento algum sobre a Bíblia, ao contrário do que dizem. Acham que basta uma iluminação ou um curso de teologia que repete o q eles já sabem, que não esbarra em nenhum discurso contrário a ele. O único jeito de interpretar a Bíblia verdadeiramente é baseada na história.

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  13. Errr... Não sei o que comentar. Vou só falar que gostei do texto e pronto!

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway