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terça-feira, 17 de julho de 2012

Israel: A Guerra Contra Gibeá

Vista aérea da cidade de Gibeá.


Juízes é um dos livros históricos do Velho Testamento, isto é, da parte hebraica da Bíblia cristã. E ele trata da vida dos habitantes de Israel desde a conquista do território de Canaã até a constituição do Primeiro Reinado com Saul. Existem duas teorias sobre quem deve ser colocado como seu autor: Samuel, o historiógrafo do reinado de Saul e Davi, por volta de 1050 a.C.; ou autores anônimos durante o Exílio da Babilônia em 586 a.C., porém de qualquer forma reconhece-se que o autor é necessariamente um monarquista que acredita que o seu povo estava perdido antes da unificação sob o reinado de Saul. 
Chama-se Juízes porque era assim como eram chamados os líderes políticos, militares e religiosos do povo israelita. O primeiro foi Josué e o último Samuel; podemos ainda citar Gideão, o grande caçador, e Sansão, o de grande força, além de Débora, a única mulher com um cargo público na Bíblia. Neste livro, no entanto, no capítulo 19, narra-se o crime de Gibeá começando assim: "Naquele tempo, como não havia rei em Israel, aconteceu que um levita, vindo fixar-se no fundo das montanhas de Efraim, tomou ali por concubina uma jovem de Belém de Judá" (19:1). É importante já notar isto: o autor monarquista faz referência a uma história que só poderia acontecer em Israel porque não há rei para controlar o povo. Ele começa falando sobre como esta concubina não é fiel ao seu marido, trata disso dos versículos 2 a 10, quando ele chega a Gibeá. "O levita, porém, não consentiu. Partiu e chegou a Jebus, que é Jerusalem, com a sua concubina e seus dois jumentos selados. Quando chegaram, o dia ia declinando. Então, o criado disse a seu amo: Vem, tomemos o caminho da cidade dos jebuseus para ali passarmos a noite. Não - respondeu-lhe o amo - não entraremos numa cidade estrangeira, onde não há israelitas. Iremos até Gibeá" (19:10-12). 
Em determinado momento a descrição da história se torna uma cópia da história de Sodoma: "Tendo entrado na cidade, parou o levita na praça e ninguém lhe ofereceu hospitalidade. Ao anoitecer, aparece um homem idoso que voltava do seu trabalho no campo. Era também da montanha de Efraim e habitava como forasteiro em Gibeá, cujos habitantes eram da tribo de Benjamim. O velho, levantando os olhos, viu o levita na praça da cidade: Aonde vais? - disse-lhe ele - e de onde vens? O levita respondeu: Nós partimos de Belém de Judá e vamos até o fundo da montanha de Efraim, onde nasci. Acabo de deixar Belém de Judá para voltar à minha casa mas ninguém quer me acolher, embora tenhamos palha e feno para nossos jumentos, pão e vinho para mim, minha concubina e o jovem, meu servo; nada nos falta. O velho respondeu: A paz seja contigo. E te darei tudo o que for necessário. De modo algum deverás passar a noite na praça. Fê-lo entrar em sua casa e deu de comer aos jumentos. Os viajantes lavaram os pés, e foi-lhes servida a refeição" (19:15-21). 
A repetição da história de Sodoma continua: "Enquanto restauravam as forças, vieram os habitantes da cidade, gente péssima, e, cercando a casa do velho, bateram violentamente à porta: Faze sair - gritaram eles ao vellho, dono da casa -, faze sair o homem que entrou em tua casa para que nós o conhecemos! O velho saiu e foi ter com eles, dizendo: Não queirais, irmãos, cometer semelhante maldade, pois este homem é hóspede de minha casa. Não pratiqueis tal infâmia. Eis aqui a minha filha virgem e a concubina desse homem. Eu vo-las trarei. Vós podereis violá-las e fazer delas o que quiserdes; somente vos peço que não cometais contra esse homem uma ação tão infame." (19:22-24). Conhecer é uma expressão bíblica para falar sobre sexo, e isto é reconhecido por todos os estudiosos da Bíblia, não existe dúvida que a turba benjaminita pretende estuprar o viajante da tribo de Levi. Porém o homem o protege, ele é seu hóspede e, por isso, deve ser protegido dentro de sua casa. Pode-se questionar, porém, mas e a concubina do levita que é oferecida aos homens de Gibeá, ela também não era hóspede na casa do velho? 
É preciso afirmar duas coisas: a concubina de Belém é apresentada como infiel nos primeiros trechos do capítulo: "tomou ali por concubina uma jovem de Belém de Judá. Esta foi-lhe infiel, deixou-o e foi para junto de seu pai em Belém de Judá, onde ficou quatro meses" (19:1-2). Ao mesmo tempo, a mulher hebraica é colocada quando o viajante conhece o velho no mesmo lugar dos jumentos e do criado, como uma coisa. Nos trechos seguintes contam que ela foi sim dada a turba, que a conheceram e abusaram dela e, como resultado, ela é encontrada morta diante da soleira da porta do velho pelo próprio marido, mas eles também poderiam ter negociado um dos jumentos ou do criado, provavelmente porque ela era infiel, era para o viajante o que menos valia. 
O levita deixou a cidade em paz, porém avisou a toda Israel o que acontecera. Todos os israelitas ficaram chocados com a atitude dos homens de Gibeá e ergueram suas armas para atacarem a cidade. Acontece então uma guerra, entre a tribo de Benjamim, que reuniram 26.700 homens, e uma coligação das outras tribos de Israel, com exceção da tribo de Jabes, com 400.000. Apesar do número superior, os israelitas começaram a batalha com grandes perdas de "todos homens que manejavam a espada" (19:25), e só começaram a vencer a cidade quando um incêndio tomou Gibeá que fez os benjaminitas abandonarem a proteção das muralhas e serem perseguidos pelos guerreiros das outras tribos até perderem-se no deserto. Os benjaminitas são então amaldiçoados, "Ninguém dentre nós dará sua filha em casamento a um benjaminita" (21:1). Obviamente, este texto é uma forma de dar um motivo plausível a uma guerra das tribos que se consideravam irmãs contra uma das suas e para garantir que a opinião pública se colocasse a favor a eles é creditado o pior crime possível: o pecado contra a hospitalidade.


19 comentários:

  1. A mulher valia menos que o jumento.... em algumas culturas isso ainda esta valendo. O velho testamento é cruel... tanto costume bárbaro.
    Abraços Foxx

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    1. pois é, Margot, o Velho Testamento é extremamente machista. A posição feminina é de coisa, de objeto que pertence e se sujeita ao homem e, praticamente, inútil sobretudo se fosse estéril.

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  2. Será que entendi direito? Nessa história, como na de Sodoma, os habitantes queriam “conhecer” o forasteiro? É isso? Sem querer fazer graça, mas é bem estranha essa coisa de querer partir pro estupro só por que o carinha não é da cidade. Isso era uma prática costumeira entre os hebreus? Ou era como uma “desculpa” pra justificar uma guerra entre tribos?

    Como sempre nem vou ficar elogiando seu texto, que já cansei de “chover no molhado”... tudo muito bem esclarecido e didático.

    Beijos.

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    1. sim, isso é muito estranho mesmo, Lucas. mas principalmente pelo caso de estupro, o que precisa ser levado em consideração é que o estupro só pode acontecer com um homem, neste contexto. estuprar uma mulher não tem valor algum de tão corriqueiro que isso era e porque o corpo dela não a pertencia. é, de verdade, uma desculpa para justificar a guerra, mas essa desculpa só funciona porque a ameaça de estupro é a um homem, uma mulher não valeria o esforço.

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  3. Papo sério esse... virge!
    E a Barbie sem cabeça é ótima, nzé?
    Hugz!

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  4. Oi Foxx.
    Certamente a redação final deste texto é do período pós-exílico, juntamente com todas as tradições das Escrituras que, nesse momento sofrem uma nova elaboração à luz dos acontecimentos do fim da nação israelita. A história de Gibeá tem mesmo muitas semelhanças com o texto de Gn. 19. Foi de propósito? Mas também pode ter influência dos escritos proféticos – como Jeremias – tentando mostrar a infidelidade do povo ao pacto da aliança, não apenas no que diz respeito a falta de hospitalidade mas também ao apego do povo ao culto dos cananeus. Ou mesmo a recordação de polêmica contra Saul...
    Como sempre um belo post. Parabéns!

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    1. eita, que aula! quem conhece o assunto é outra coisa.

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  5. Grande crónica, como sempre! ^^

    Muito bom! :D

    Abraço grande :333

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  6. parabéns pelo post! é uma pena que hoje em dia ainda existam bárbaros que peguem este livro e tentem aplicar suas leis nos dias de hoje!

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    1. é verdade, Serginho. bárbaros mesmo que não entendem como ele foi escrito.

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  7. Olá Foxx, digo o mesmo sobre seu blog, interessantisssssiiimo, quero ler tudo rsrs.

    Obrigada pela visita.

    Beijos
    Noh

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  8. Contanto carboidrato? Vc???? E lá o senhor precisa disso? Ou tá querendo ser multado por excesso de gostosura, hein? Hahahaha! Hugz!

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  9. Acho o 'Velho Testamento' um documento histórico válido em muitos aspectos, mas, por vezes, é tão...Velho.

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  10. Você é o mais fofo de todos! Obrigado por tudo sempre!

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  11. Hummmm... acho que já entendi onde vc quer chegar... rs

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    1. droga, e eu querendo fazer suspense... hehehe

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  12. Oi ... Lendo este seu post me pergunto porque eu não os lia antes. Devo ter perdido muito. Abraços !!!

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway