Google+ Estórias Do Mundo: janeiro 2012

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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Índia: Os Vinte Tipos de Panda

Os Narada Smriti, textos escritos por volta de 400 a.C., listam vinte tipos de panda, isto é, homens que são impotentes com as mulheres.  A impotência masculina poderia, diz o texto, ser física, psicológica ou porque o homem não deseja as mulheres, e em qualquer um destes casos, estes homens deveriam ser preteridos pelas mulheres que procuravam um casamento. O teste para reconhecer se um homem era impotente devia ser realizado por uma mulher que devia tocar-lhe o pênis, se o órgão sexual não respondesse aos estímulos provocados por ela, este homem não deveria ser apto a casamento. Lista-se nos textos vinte tipos de panda, destes dezesseis se relacionam ao homoerotismo.
O primeiro tipo, e o mais comum tipo que aparecer nos textos védicos são os Napumsaka ou Napums, esta palavra se refere aqueles que não são "completamente homens" e descreve tipicamente homens que são efeminados ou dos quais se questiona a masculinidade. Os comentários modernos dos Vedas inclusive têm identificado os homossexuais diretamente com os Napumsaka. O segundo tipo que podemos comentar é o Mukhebhaga. Este é descrito como aquele que usa sua boca (mukhe) para receber o pênis, exatamente como a mulher utiliza sua vagina (bhaga). Isto refere-se diretamente ao homem que participar de atos sexuais com outros homens e que dedica-se ao sexo oral. Alguns comentadores modernos do texto têm proposto recentemente que esta palavra na verdade se refere aos homens que se dedicam unicamente ao sexo oral, de qualquer forma, isto é, com homens e mulheres, o Narada Smriti (12.15) declara que estes homens são incuráveis e que nunca abandonarão suas práticas.
O terceiro e o quarto também são citados pelo Sushruta Samhita, um conjunto de textos médicos escritos em 600 a.C., o primeiro citado é o Asekya (3.2.38). Este é descrito como o homem que engole o sêmem de outro homem. O Smriti Ratnavali ainda usa a palavra "devotar-se" para descrever o intenso desejo que estes homens mantém por esta prática, e segundo os textos médicos do Sushruta Samhita isto seria causado pela deficiência do potência masculina durante a gestação do feto. O quarto tipo também mencionado nos textos médicos do Sushruta é o Kumbhika. Esta palavra refere-se aqueles que usam suas nádegas (kumbha) para receber o pênis, ou seja, refere-se diretamente aos homens que têm comportamento passivo durante as relações sexuais homoeróticas, mas os comentadores modernos têm reconhecido esta palavra como se referindo aqueles que se relacionam apenas através de sexo anal, tanto com homens como com mulheres, ou seja, também aqueles que são ativos na relação sexual, porém preferem o sexo anal. 
Além destes panda, podemos também citar os Anyapati, os quais os comentadores modernos interpretam como algum homem que podia estar intensamente apaixonado por um outro homem ou por uma mulher, e ao estar apaixonado sua potência amorosa era então direcionada apenas para o objeto do seu amor. Neste caso, os Anyapati não são considerados incuráveis e ainda são indicados como "bons para casar" pelo Narada Smriti (12.18). Da mesma forma, os Paksa são homens que são considerados "meio potentes" (às vezes potente e às vezes não), a palavra pode se referir aqueles que são potentes às vezes com homens e às vezes com mulheres, e mais raramente ela pode ser entendida como alguém que às vezes tem sua potência sexual intacta, e às vezes não. No caso destes, o Narada Smriti (12.14) indica que este homem seja colocado por um mês em teste, se ele neste período demonstrar-se impotente alguma vez, ele não deve ser desposado por mulher nenhuma. Também podemos falar dos Sevyaka, os quais teriam se tornado impotentes por causa do excesso de sexo com mulheres, mas também referia-se aos homens que haviam cansado das mulheres e se dedicavam agora ao sexo com homens, e muitos tradutores modernos inclusive tem traduzido a palavra como algo muito próximo do que chamamos de homossexual. O Sushrata Samhita chama estes de Saugandhika. O caso dos Sevyaka era considerado pelo Narada Smriti (12.15) como incurável também.
Outro tipo é o Moghabiha que se torna impotente quando ele tenta se unir a uma mulher. Os textos védicos afirma que isto pode acontecer por fatores psicológicos, como uma excessiva timidez (e neste caso o chamam de Salina), mas que normalmente acontece porque este homem secretamente deseja outros homens. No caso de sua impotência ser causada por fatores psicológicos, às mulheres é indicado pelo Narada Smriti que deem-lhe uma chance por um ano (12.16), se ela não conseguir unir-se a ele após um ano deve abandona-lo (12.17).
O décimo-primeiro tipo de panda seria o Sandha. Na literatura védica este termo designa um terceiro gênero. Homens que são "meio homens, meio mulheres". No Sushruta Samhita (3.2.42) e no texto do século XIV, Vacaspati, diz que estes falam, andam, riem e tem outros comportamentos como as mulheres. Este texto do século XIV ainda afirma que eles eram castrados e eram considerados "mulheres sem vagina". O mesmo significado tem a palavra Kliba ou Klibaka, mas esta palavra também servia para designar homens fracos, covardes, não masculinos, efeminados, de masculinidade questionável, ou seja, basicamente um xingamento. Por fim, também temos os Baddha e Vadhri, dois tipos de terceiro gênero, estes são homens sem testículos ou cujos testículos foram retirados, segundo o Narada Smriti (12.14), mas que mantinham o pênis com suas funções ainda. 
Para encerrar, os Nastriya referem-se a mulheres que não são completamente femininas. Com frequência descrevem aquelas mulheres que são inférteis, porém é mas comum referir-se a lésbicas que são muito masculinas ou mulheres transgêneros que se tornaram homens, isto é, "homens sem pênis". Quatro tipos básicos são mencionados nos textos védicos: 1) Mulheres que não mestruam; 2) Homens sem pênis; 3) Mulheres com orgãos sexuais tanto masculinos quanto femininos; e 4) Mulheres que se comportam como homens. Também é interessante notar que entre os panda também se incluí as Svairini. Esta palavra é um termo comum, no Kama Shastra para referir-se a mulheres homossexuais, mas também pode referir-se a mulheres consideradas independentes demais. O Narada Smriti (12.49-52) menciona quatro tipos: 1) A esposa que deixa o marido; 2) A viúva que abandona sua família; 3) A estrangeira ou escrava, e 4) a mulher que foi estuprada. A pergunta final é: então as mulheres indianas podiam escolher casar com uma mulher também, já que os conselhos para um bom casamento incluem evitar estas mulheres ou o texto está apenas dando um conselho para que elas não sejam uma svairini também? Como meu conhecimento de sânscrito é negativo, eu convido alguém ai a pesquisar isso.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Familiam Matrem

Minha mãe é uma reclamadora. Ela reclama compulsivamente de tudo, mas não pretende mudar. Ela reclama que meu pai não faz nada em casa para ajuda-la nas tarefas domésticas, mas ela coloca o prato dele quando ele vai almoçar e separa a roupa dele para ele tomar banho. Mas o problema com meu pai não é o fato dela reclamar, é dela servi-lo. E ela foi criada para isso. Repete todos os dias que casamento é para sempre e que o lugar da mulher é com seu marido. Minha mãe é machista. Machista de um jeito que acredita que o homem tem o direito de separar-se de uma mulher que não serve o almoço de seu marido e que não lava as suas cuecas. Paradoxalmente, ela ensinou a meu irmão e a mim a cozinhar e a lavarmos nossas cuecas. Fomos, nós dois, criados como meninas? 
Minha mãe é uma boa mulher, caridosa e trabalhadora. Ela junta material reciclável para doar a instituições de caridades o dinheiro que consegue os vendendo. Diz que faz o trabalho do Senhor. É, minha mãe é bastante cristã, católica para ser mais preciso. Frequenta a Igreja pelo menos duas vezes por semana, mas não comunga fazem três anos. Ela reclama que não tem tempo para ir se confessar, eu digo que ela pode se confessar sozinha diretamente a Deus, mas ela não escuta. Na verdade, qualquer comentário ou conselho que sejam dados por mim são respondidos por minha mãe com uma bufada e uma expressão de "o que essa criança pensa que sabe?". Faz tempo que eu desisti de dar conselhos, então, e emitir opiniões.
Mas minha mãe é uma excelente professora. Aluna de uma escola normal, normalista, orgulha-se de lembrar-se de como ela era bonita na época em que vestia o uniforme de normalista quando saiu da fazenda dos pais em Ceará-Mirim e veio para a capital estudar para se tornar professora. E ela é muito boa no que faz. Trabalhou com alfabetização sua vida toda, e me inspiro nela sempre que penso no meu trabalho como professor, é sem sombra de dúvida por causa da minha mãe que me tomei este caminho profissional. Lembro um dia, que ela me levava para a escola dominical, para a catequização, e ela esquecera de comprar um caderno para mim, ela passou em uma loja e conversou com o dono do estabelecimento que não queria vender-lhe fiado, ela também esquecera de trazer dinheiro, foi quando ela comentou: "Meu caro senhor, eu vou trazer o seu dinheiro", neste momento a esposa do dono apareceu no balcão e a reconheceu. "Homem, ela é a professora do teu filho! Faça essa venda!". Eu lembro como se fosse ontem de que o homem cobriu-se de vergonha e escolheu os melhores cadernos e lápis e me deu, dizendo a minha mãe, "Não precisa pagar, é claro que não precisa pagar!". Minha mãe não quis aceitar, insistiu que passaria sem pagar, mas aquilo ficou marcado em minha mente de criança. O respeito que aquele homem tinha pela professora de seus filhos.
No fundo, minha mãe é realmente uma boa mulher. Ela só não consegue demonstrar. Ela não sabe como demonstrar carinho, por exemplo, sofre para dizer que ama, e abraça e beija com dificuldade, nota-se que ela se sente constrangida, sobretudo se for na presença de alguém. A primeira vez que ela me disse que me amava foi só depois que eu voltei para Natal, após seis meses morando em Belo Horizonte. Ela também tem preconceitos arraigados, sobretudo homofóbicos. Noveleira, ela não consegue entender o que "esses gay" estão fazendo nas novelas, e pragueja quando os vê terminando bem. Reclama que o mundo está perdido. Ela também os trata mal quando os encontra pessoalmente. Xinga-os quando eles viram as costas, e ela cobra de mim uma esposa sempre. 
Minha mãe pede uma boa esposa cristã. Eu respondo que ela desista deste sonho porque eu nunca vou me casar. Ela reclama sempre dizendo que eu não posso fazer isso. Ela sempre diz pra mim, agora que cheguei aos trinta anos que ninguém deve viver sozinho, que é triste! E que todos tem que ter sua família! Ela repete isso constantemente. Sua frase para mim: "Se você for gay será a maior decepção que você me dará na vida".

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Familiam Patris

O meu querido Antônio de Castro fez uma pergunta no post anterior que merece mais que um comentário. Ele perguntou: 

off-topic: eu fico tão confuso quando vc fala dos seus pais.
eles são tudo isso que vc pinta mesmo? tem certeza? ou é uma distorção de momento?


Então eu, como para responder preciso apresentar meus pais a vocês, resolvi apresentar cada membro de minha família aqui, para vocês entenderem com quem eu convivo. Começarei pelo meu pai, por ordem de idade mesmo. Ele é um homem de 72 anos muito amargurado. Capricorniano, meu pai tem um gênio difícil de suportar. Ele é ditador e explode com uma facilidade imensa quando é contrariado.  Rancoroso, ele nunca perdoa e também dá muito valor a um conceito de honra que apenas ele tem, afinal ele não diferencia honra de orgulho. E seu orgulho é desmedido. Precisa sempre ter as roupas mais caras, os carros maiores, as casas mais espetaculares, ou pelo menos que aparentem ser mais caras, maiores e mais espetaculares, porque o que mais importa para meu pai é aparência. Ele é preconceituoso: homofóbico, racista e anti-semita. E ignora que sua mãe é negra e nossa família cristã-nova. 
Ele também é um pseudo-intelectual. Pois, como meu pai vive de aparências, sua intelectualidade é construída na base de uma aparência. Ele montou um personagem de homem revolucionário para os seus colegas de trabalho, aquele que lê Marx e recita Engels, mas devota sua vida a Trotsky, porém ele realmente não acredita em nenhuma palavra do comunismo e nunca abriria mão de nada dele para ajudar um próximo. Na verdade, ele expulsa mendigos da porta de casa quando eles aparecem chamando-os de vagabundos. Eu também nunca o vi abrir qualquer livro, mas ele sempre participava de reuniões de partidos de esquerda. 
É também um homem frio. Meu pai aprendeu com o seu que homem não demonstra sentimentos, então ele nunca demonstrou qualquer carinho por mim ou por qualquer um dos meus irmãos, na verdade, sua participação na nossa educação foi apenas na repressão. Ele era o responsável pelas surras de mangueira que deixavam marcas na minhas costas curadas com banhos frios. Eu apanhei quando me saí mal em matemática, pela primeira vez, na sexta série e apesar dele ser pedagogo e especializado em educação matemática, nunca passou pela cabeça dele que eu precisava de alguém que me explicasse a matéria, não de alguém que me batesse. 
Meu pai não bebe, e considera que aqueles que o fazem tem uma falta de caráter. Ele julga as pessoas a todo tempo e quando soube que Ivete Sangalo havia contraído meningite disse que isso era culpa da vida promíscua que ela levava. Meu pai não tem amigos e é extremamente ciumento com todos dentro desta casa. Minha mãe teve que se afastar de sua família porque ele não queria que ela saísse com outras pessoas além dele. E o mesmo se dá comigo e meus irmãos. A maior crítica que ele nos faz, o tempo todo, é o fato de termos amigos, de termos uma vida além da sombra da asa dele, mas não é porque ele se preocupe, é porque ele tenta nos dominar. Seu primeiro casamento terminou muito mal por causa de ciúmes.
Ele afirma que quem joga capoeira é malandro, quem usa tatuagens é bandido, quem usa piercings é índio e quem usa brinco é viado. Às vezes acho que ele tem algum problema de T.O.C. já que ele sempre faz os mesmos caminhos e detesta mudanças. Ele não viaja nunca porque acha perda de tempo, mas eu tenho absoluta certeza que ele não o faz por medo de se deparar com realidades novas para ele. Ele detesta conhecer pessoas novas, mas finge como ninguém uma simpatia quando encontra um conhecido, para depois resmungar. Quem o conhece sem muita intimidade o considera uma pessoa agradabilíssima. 
E agora eu estou tentando encontrar alguma característica que eu admire em meu pai para listar aqui, mas ela não existe. Sua frase para mim: "Se você é, pelo menos não precisa aparentar".

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Direito de Resposta

Caro Bento XVI,

eu soube, por meio da internet, que Vossa Santidade havia dito em uma reunião com diplomatas de 180 países que o casamento gay "ameaçaria o futuro da humanidade", essa pelo menos foi a expressão que a maioria dos sites ficou repetindo sem nem contextualizar o discurso, não que o contexto salvasse algo, mas eu repito para Vossa Santidade. As crianças, o futuro da humanidade (e acho que nenhum dos seus críticos percebeu que é disso que o Santíssimo Padre estava falando), deveriam ser criadas em ambientes adequados e estes ambientes seriam o seio familiar, o qual só poderiam ser formados por um homem e uma mulher. Dissestes que os Estados são os responsáveis por manter estes ambientes saudáveis, mantendo a família como, um dos seus mais fieis seguidores que eu conheço já me disse, intocada como a mais de dois mil anos.  Vós dissestes ainda, Santíssimo: "A unidade familiar é fundamental para o processo educacional e para o desenvolvimento dos indivíduos e Estados; daí a necessidade de políticas que promovam a família e auxiliem na coesão social e no diálogo". Vossa preocupação, Santo Padre, é realmente louvável!
Aí eu lembrei, Santo Padre, da minha família. Dos pais que eu tive que me surraram e me xingaram, que nunca me fizeram sentir amado e acolhido, pais estes que - obviamente por pura ignorância - me fizeram acreditar que eu não merecia o amor. Também lembrei dos irmãos que tive, do quanto eles me humilharam por eu ser diferente, de todas as vezes que eles disseram claramente que não queriam que eu fosse irmão deles. Também lembrei de como foi dentro de casa que eu sofri a pior ameaça homofóbica que moldou todo o meu futuro a partir dali, o dia que meu irmão virou-se para mim e me ameaçou de morte. Esta era a minha família. Como dissestes Vossa Santidade, eu concordo, uma criança merece crescer em um ambiente saudável. 
E eu prometo, Santo Padre, se um dia o bom Deus permitir que eu case, apesar do meu casamento também ser um dos terríveis casamentos gays, eu prometo, de verdade, que protegerei o futuro da humanidade. Eu, farei questão! Não permitirei que nenhuma criança, seja ela gay ou hétero, seja tratada como eu fui por nenhum pai, seja ele gay ou hétero, porque, volto aqui a repetir, nós não deveríamos estar aqui discutindo sobre o casamento gay, e sei que Vossa Santidade concorda comigo, vós bem dissestes isto neste discurso, sua preocupação também é nossas crianças. Nós deveríamos estar preocupados sim com o futuro da humanidade, preocupados em evitar que nenhuma criança fosse atacada e maltratada por um membro de sua própria família, que, infelizmente Santo Padre, na maior parte do mundo são todas formadas por heterossexuais. 
Podemos concordar com isso? Em proteger nossas crianças? 

Agradeço vossa antenção, Santíssimo.
Humildes saudações, 
Foxx.

Índia: As Virgens do Manu Smriti



O Manu Smriti, um dos mais antigos códigos de condutas que foram propostas para serem seguidas pelos Hindus, também menciona as práticas homoeróticas para regulá-las. Estas práticas eram consideradas parte de qualquer outra prática sexual, apesar de não ser sempre bem aceita, mas elas existiam e deviam ser reguladas pela lei. Existindo, inclusive, algumas punições para os comportamentos homoeróticos, contudo quando estes aconteciam contra outras situações sociais. 

Por exemplo, o verso 370, do capítulo VIII, que refere-se as relações sexuais entre uma mulher mais velha e uma virgem fala: "... uma mulher que poluí uma donzela (virgem) deve imediatamente ter (sua cabeça) raspada ou dois dedos cortados, e deve ser feita cavalgar (até a cidade) em um burro", sugerindo um severo castigo. Ao mesmo tempo, o verso 367, do capítulo VIII, que se refere  ao ato sexual entre duas virgens sugere uma punição menor: "... uma donzela que poluí (outra) donzela deve ser multada em duzentas (panas), pagar o dobro da sua taxa (nupcial), e receber dez (chibatadas com uma) vara". Estas disposições, retiradas do seu contexto podem parecer homofóbicas, mas, de fato, elas se preocupam não com o gênero dos parceiros sexuais, mas com a perda da virgindade que prejudicaria seu casamento futuro da donzela. Outro exemplo, a punição pelo ato sexual forçado entre um homem e uma mulher não muda muito quanto isso, vejamos o verso 367, também no capítulo VIII: "... se alguém através da força e insolência contamina uma donzela, dois de seus dedos devem ser imediatamente cortados e ele pagará uma multa de 600 (panas)", que parece ainda mais severo que o castigo prescrito para o mesmo ato entre duas virgens. 

O sexo entre mulheres não virgens geravam uma multa muito pequena, enquanto a relação homoerótica entre dois homens era censurada por uma prescrição de que, por exemplo, dois homens sempre tomassem banho usando suas roupas, nunca ficando nu diante do outro, sob a pena de "comer cinco produtos de uma vaca e manter-se uma noite acordado", e caso havendo relações sexuais propriamente ditas, a pena seria modificada pela perda de seu lugar na casta, como dizem Vanita e Kidwai.  No verso 68, no capítulo XI, fala ainda "causar injúria a um sacerdote, cheirar vinho ou outras coisas que não podem ser cheiradas, desonestidade, e a união sexual com outro homem são coisas que tradicionalmente causam a mudança de casta". No mesmo capítulo, no verso 175, a expiação dos brâmanes que realizavam atos homoeróticos é um banho: "um homem nascido duas vezes que tem relações sexuais com um homem ou com uma mulher em uma carroça puxada por bois, deve tomar um banho, em água, a luz do dia, vestido com suas roupas". Aqui, deve-se perceber, que as proscrições são especificamente para os brâmanes, não há nenhuma referência no Manu Smriti de punição para o comportamento homoerótico entre os homens de outras castas.

A discrepância do tratamento, diz Kanika Goswami, é devido ao status diferenciado entre homens e mulheres em uma sociedade em que a mulher era considerada o mesmo (ou até inferior) a terra, seu gado e seus outros bens. De qualquer forma, a maioria das questões sexuais tratadas por este livro de leis são de cunho heteroerótico, e suas punições são bem mais severas. Por exemplo, "um homem que não é um brâmane deveria sofrer a morte por adultério [samgrahana]". Isto pode indicar que os comportamentos homoeróticos não eram considerados um problema, caso não acontecessem entre os brâmanes ou envolvendo mulheres virgens. A necessidade, todavia, de um maior número de regras para o comportamento heteroerótico demonstram como esta forma de comportamento sexual precisava de um controle social mais intenso, por ser, obviamente, a base da constituição da sociedade e da propriedade, graças ao casamento.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Só Acontece Comigo

Sai de casa naquela noite quente de véspera de feriado de Reis sentindo-me bonito. Eu usava uma camisa justa que valorizava meu peitoral e bíceps (a musculação está fazendo efeito) e uma calça jeans reta. Olhei-me no espelho, antes de sair, e, graças a barba que tenho cultivado, pensei: "God damn it! Your hot bear!". 
Saindo de casa, caminhei pouco até o ponto de ônibus para ir ao aniversário de um amigo antigo e lá fiquei a esperar. Foi quando um Palio branco passou lentamente pelo ponto de ônibus e eu o vi virar a direita na rua adiante. Percebi, apesar de não vê-lo, que o motorista me observava. Provavelmente, pensei, quer que eu vá falar com ele. Mas claro que não fui. Não o tinha visto, não sabia quem era aquela pessoa. O risco não valia a pena. Então me virei para o outro lado e continuei esperando o ônibus. 
Passado um tempo, eu vejo o Palio novamente se aproximando. Ele fizera a volta no quarteirão e agora passava lentamente e eu aproveitei para olhar para dentro do carro desta vez. Foi quando eu vi um homem de pele quase negra, gordo, e sem pêlos, completamente pelado!, se masturbando dentro do carro. Ele me olhou, com cara de tesão no carro que passava, oferecendo o pau grande e duro.
Eu congelei ao ver a cena. Boquiaberto, girei nos calcanhares e fixei meu olhar nas luzes da avenida. Não vi o carro se afastar. Mas eu só conseguia pensar: "Sério, isso só acontece comigo!".

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Urocyon cinereoargenteus






Já que ninguém foi lá no Tumblr. Pelo menos ninguém se deu ao trabalho de comentar por lá. Então resolvi presenteá-los com as fotos aqui também. E também porque não tenho muito o que falar mesmo.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Primeiro de Janeiro

O carro rodava naquela estrada que a esquerda, após uma estreita faixa de terra, o mar alcança o horizonte; e a direita se estendia um deserto dourado e enrugado por dunas, que por sua vez também alcança o horizonte. Um homem caminhava sobre areia que refletia o sol acompanhado com um cachorro, ele parecia apenas uma mancha negra na tela quase branca, tingida pela luz do sol refletida nos cristais de silício. Meu irmão, depois de uma longa preleção, em que ele começou a falar de quanto sentia saudade do meu sorriso, que desde que eu voltara de BH nunca mais me vira sorrir, que também falou que eu estava com respostas muito agressivas a todos que me desejaram Feliz Ano Novo, "eu entendo sua desesperança, mas cadê sua educação?", ele continuou me dando conselhos, tentando me animar, dizendo que eu devia começar a olhar minha situação atual de uma outra perspectiva, sempre citando a Bíblia como uma opção válida, "você deveria lê-la como a Palavra, não com a leitura que você sempre fez dela, como historiador", concluiu: "Isso é uma fase, meu irmão, você precisa juntar suas forças e superá-la, vai passar. Você ainda vai ter o emprego dos seus sonhos, ter sua família, com sua esposa ou com seu companheiro, não me importo com o que você escolher... E não me olhe assim tão surpreso! Se eu te amasse apenas de um jeito, se escolhesse como você deveria ser para eu te amar, eu não estaria amando meu irmão de verdade. De qualquer forma, eu acredito, e você tem que acreditar que vai passar". 

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A Terra Estéril

Era noite de sábado, formatura do meu irmão mais velho no curso de Ministros de Deus da escola Rhema, realizado no Centro de Convenções de Natal. Roupas de gala para todos, eu me recusei de ir de terno, escolhi uma calça jeans e uma camisa branca com um xadrez discreto, sapatos de couro, e um blaser bem cortado por cima. Bastava isso, sobretudo para o clima de verão de Natal. Quase toda família foi, meu pai de terno, meu irmão caçula de terno, mas sem gravata; minha mãe, minha sobrinha (filha deste irmão mais velho) e a esposa dele, todas as três de longo. Faltou o primogênito do meu pai, e sua esposa e três filhos. Todavia, ainda assim, era um clima da celebração mesmo. Celebração de um curso que ainda não entendi muito do que se trata. Também não entendi quando a cerimônia começou e, após os professores da escola formarem a banca, haver um desfile de bandeiras de alguns países e estados brasileiros, onde a Rhema tem escolas, que me lembravam a abertura de uma olimpíada. Não entendi também o show de uma banda gospel, com uma cantora loira e gorda que agitava os braços no ar, respirava pela boca e desafinava em todas as músicas. Não entendi o culto que demorou pelo menos uns 45 minutos da cerimônia. Sem entender, levantei-me e sai. Resolvi sentar no hall e fica aproveitando o cheiro de maresia que vinha do mar em frente ao centro de convenções. Meu irmão caçula me seguiu. Conversamos lá sobre filmes do 007, ele sentado num sofá desconfortável, eu sentado no braço do sofá, quando dois meninos se aproximaram. Não deviam ter mais que dezessete anos, o mais moreno olhou-me nos olhos e sentou-se no sofá, no centro, o outro sentou do outro lado, junto ao braço. O moreno então deixou-se deslizar para bem próximo de quem eu ainda achava que era apenas seu amigo e cruzou a perna, de uma forma que sua perna ficou apoiada na perna do outro, estranhei aquele comportamento, dois homens heterossexuais não sentaria assim, tão próximos. Agucei meu olhar e o amigo, mais branco, espreguiçou-se e baixou seu braço, descansando-o no apoio para as costas do assento, e foi aí que eu percebi, naquele antro de evangélicos, o menino fazer um carinho no ombro do mais moreno. Aquele carinho discreto que diz: "estou aqui do seu lado". Eu, no meu íntimo, torci naquele momento por aqueles dois meninos. Desejei-lhes toda felicidade do mundo. E eu soube, que por mais que a terra seja estéril, o amor floresce em qualquer lugar. 

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Índia: A Natureza e o Rigveda




Os hindus tem vários textos sagrados e diferentes grupos sociais dão diferentes importâncias a cada um desses textos, além de que cada grupo tem interpretações distintas dos significados destes textos sagrados, contudo os Vedas (o conhecimento), escritos por volta de 1500 a.C., são os mais antigos textos escritos em sânscrito que nos restaram. Estes textos são considerados pela tradição hindu como incriados, isto é, como textos que sempre existiram e se revelam aos sábios que conseguiram chegar a um certo patamar da evolução espiritual. Os Vedas são basicamente constituídos por mantras que representam hinos, orações, encantos, formulas rituais, endereçados a vários deuses e deusas sendo os mais citados: Rudra, Varuna, Indra e Agni. Estes estão colecionados em antologias chamadas Samhitas que são quatro: Rigveda, a antologia de poesia e hinos; Yajurveda, a antologia de orações; Samaveda, a antologia de músicas e Atarvaveda, a antologia de ritos, encantos e formulas mágicas.
Entre os quatro o mais antigo é o Rigveda, o conhecimento dos hinos, consiste em 1028 hinos e é o único que tem passagens que tratam das relações homoeróticas. Os historiadores Ruth Vanita e Saleem Kidwai, no seu pioneiro livro Same-sex love in India, afirmam que não existem referências explicitas ao homoerotismo em nenhum dos Vedas, porém quando no Rigveda se diz que perversidade/diversidade é tudo aquilo que a natureza é, ou que aquilo que parece não-natural também é natural (vikruti evam prakriti, em sânscrito), muitos especialistas tem acreditado reconhecer aí uma constância cíclica das dimensões homoeróticas e transsexuais da vida humana, como todas as outras formas que distam do padrão. Em outras palavras, como o hinduísmo acredita que o diferente também é normal, pelo menos é o que os textos sagrados pregam, os especialistas contemporâneos tem entendido que os textos sagrados hindus seriam inclinados a aceitar as relações homoeróticas como parte da natureza humana também.
O hinduísmo é ainda mais complacente com os denominados Tritiya-prakriti, o terceiro gênero, não totalmente homem nem mulher, que são mencionados tanto nos Vedas como nos Puranas, apesar de não serem claramente definidos, deixando seu significado pairando entre o homem efeminado, às vezes também somente o covarde, mas também aqueles homens que não sentem desejo sexual pelas mulheres. Contudo, Devdutt Pattanaik diz que, não obstante, estes comportamentos homoeróticos serem conhecidos por todos na Índia, eles não eram aprovados, o que discorda Amara Das Wilhelm, historiadora que escreveu Tritiya-prakriti: People of the third sex, publicado nos Estados Unidos em 2003. Esta acredita que a posição destes membros do terceiro sexo e dos praticantes de atos homoeróticos era muito positiva na sociedade arcaica hindu, pois, diz ela, que os antigos Vedas ensina a tolerar a diversidade de tipos sexuais dentro de toda a sociedade. É o reconhecimento de que aquilo que é natural é muito mais amplo e diverso do que o binário macho-fêmea de nossa contemporaneidade.