Saí do carro e peguei as malas com as duas mãos, pareciam mais leves do que eu me lembrava, pareciam mais leves do que deveriam estar. Parei diante da casa dos meus pais por alguns minutos, olhando o pé-direito alto e a parede branca. Olhei para cima, para o céu noturno de Natal, buscando a árvore que fazia sombra a janela do meu quarto na minha infância que não está mais lá. Entrei em casa pelo portão que estava aberto, sem fazer barulho. Meu irmão e meu pai foram os primeiros a me ver, já dentro de casa, minha mãe de costas virou-se para ver quando meu pai disse: "Olha só quem está aqui". Respondi com um tímido surpresa e quando me deparei com os olhos da minha mãe uma grossa lágrima rolou por minha bochecha. Minha mãe chorou também. E eu aproveitei o clima de retorno para encobrir minhas lágrimas. Eu pensava: "Todos estão achando que estou chorando porque estou feliz em finalmente voltar a Natal". Mas, na verdade, as lágrimas eram de derrota. De alguém que sonhara com um futuro brilhante, uma vida nova na capital mineira, mas que agora retornava a casa dos seus pais com seu sonhos esmagados pela assustadora realidade. As lágrimas não cessavam enquanto eu abraçava meu pai e meu irmão mais novo também. Quando a porta negra e pesada da sala da casa dos meus pais se fechou atrás de mim foi que eu, finalmente, acordei.
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segunda-feira, 30 de maio de 2011
sábado, 28 de maio de 2011
Pelos Meus Alunos: Em Defesa Do Kit Anti-Homofobia
Muito se falou sobre o Kit Anti-Homofobia esses dias, com seu cancelamento pela presidente Dilma Rousseff, as críticas do deputado Jair Bolsonaro, mas sobretudo da sua troca pelo silêncio da bancada evangélica no escândalo envolvendo o ministro-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci. Contudo, o que não se falou, o que ninguém ouviu, foi a opinião dos mais interessados. E não falo dos ativistas gays, falo dos professores. Professores das escolas públicas (estaduais e municipais). Os únicos afetados realmente com a aprovação ou não do kit. Afetados, porque estes seriam os usuários do kit, caso ele fosse aprovado. Bem, acho que devo esclarecer inicialmente um fato. Primeiro, esta discussão deveria ser técnica. Não cabe aos deputados ou senadores discutirem currículo educacional ou mesmo ferramentas que podem ou não ser utilizadas por um professor dentro da sala de aula. Mesmo o Ministério da Educação não tem poder para tanto. Um professor tem a liberdade de utilizar ou não o kit caso ele fosse aprovado. Dependendo do seu planejamento durante o ano (o que ele pretende ensinar aos alunos) e também dependendo de suas convicções políticas e religiosas, ele poderia usar ou não usar o kit. Ele estaria disponível para o seu uso, mas não seria de uso obrigatório, como os outros inúmeros kits que o MEC (Ministério da Educação e Cultura) distribuem nas escolas.
Esta discussão técnica não aconteceu. E é ela que eu levanto aqui. É preciso falar que segundo os PCN's (Parâmetros Curriculares Nacionais), programa proposto pelo MEC em 1997, após dois anos de debates, sexualidade é um dos temas transversais, isto é, é um dos temas que devem ser abordados por todas as disciplinas (História, Língua Portuguesa, Matemática, Física, Química) para integrar o currículo. Segundo o documento federal, ao contrário do que afirmou em entrevista a presidente Rousseff, cabe sim a escola, e ao Estado brasileiro, fomentar essa discussão de cunho "privado" entre os estudantes. Cabe ao espaço escolar levantar entre o alunado um espaço seguro para discutir este tipo de assunto. Então, neste caso, a presença do kit na escola permite a um professor acesso a informações que vão dar início as discussões entre os alunos.
Como esta discussão se dá? Num plano de aula imaginário para Língua Portuguesa, por exemplo, o professor poderia apresentar algum material do kit, um texto (incentivando a leitura) ou um vídeo e depois pedir uma discussão em sala sobre aquilo que foi visto (incentivando a manifestação oral) e por fim pedir um texto sobre as opiniões do estudante, fossem elas a favor ou contra, mas demonstrando os seus argumentos (incentivando a produção escrita). Numa idéia ainda para Ciências ou Biologia, seria possível discutir formas distintas de sexualidade, de sexo, de reprodução, e falar sobre o ato sexual, falando sobre uso de camisinha, por exemplo, também. Para História, poderia-se falar sobre manifestações homoeróticas e heteroeróticas na História e as manifestações atuais, demonstrando como essas manifestações se modificaram e como as relações humanas se modificam com o tempo, explorando a ideia de desnaturalização do comportamento humano e permitindo que crianças e adolescentes desenvolvam a percepção que no mundo que eles vivem existem pessoas distintas delas e que essa diferença precisa ser respeitada para a convivência como cidadãos dentro da sociedade.
Isso não foi dito de maneira alguma! A discussão caminhou para a ideia de "propaganda de um modo de vida", questionamento esse perigoso porque me lembra a proibição de se falar em comunismo durante a ditadura militar; além de que, ninguém lembrou, que crianças gays e lésbicas - porque quando os gays e lésbicas apesar de ninguém gostar de lembrar disso foram crianças um dia - estão expostas diariamente a uma propaganda do modo de vida heterossexual que é, sim, aprovada pelo Governo Federal ao aprovar e financiar livros didáticos que mostram a família heterossexual como o modelo de família. Isto é devastador para as crianças gays e lésbicas. Devastador! Preocupo-me, como professor, é com essas crianças.
Na minha experiência em sala de aula, vi muitas vezes crianças inteligentíssimas que eram oprimidas por esse sistema heteronormativo. Fisicamente, pois apanhavam dos pais, ou sofriam bullying na escola; ou que, ao assumir em determinado momento a sua homossexualidade, ou a identidade feminina no caso de travestis, eram obrigados a abandonar a escola, porque ali não era mais o espaço para que aquelas pessoas "diferentes" pudessem frequentar. Essas crianças, por algum motivo específico, não merecem proteção do Estado brasileiro? Se nossa Constituição proíbe a discriminação, se o Estatuto da Criança e do Adolescente exige que todas as crianças tenham acesso a educação e que tenham um ambiente saudável e seguro para viver, se as leis educacionais brasileiras exigem veementemente que crianças sejam educadas num ambiente de pluralidade, excluindo as salas de aula especiais para alunos com necessidades especiais, por exemplo, sobre qual argumento a produção do kit anti-homofobia pode ser considerado pela excelentíssima presidente Dilma Rousseff (em quem votei, mea culpa) algo que o Governo Federal poderia deixar de investir?
Eu não consigo aceitar e nem entender. Não consigo, pelas crianças, pelos meus alunos. Não consigo.
terça-feira, 24 de maio de 2011
A Estrada (O Retorno I)
Ele caminha a passos lentos. Caminha para o fim que já aparece no horizonte. Caminha de cabeça baixa, olhos fixos no chão e ombros caídos. Parece tão cansado. Cansado como alguém que ingressou nessa jornada cheio de sonhos e viu cada um deles se desfazer em pó, apenas para aumentar a poeira da estrada, que cobre seu rosto e seu cabelo como uma máscara mortuária. Máscara esta que só era rompida, outrora, quando el conseguia chorar, mas agora até as lágrimas secaram. Parece também tão mais velho. Dez anos mais velhos de quando deu os primeiros passos naquela estrada de tijolos amarelos. Esperando encontrar o mago no fim, para que seus desejos fossem realizados, mas apenas encontrou o caminho de volta, derrotado, de volta para Kansas, apesar daquele não ser mais seu lar. Contudo ele ainda caminha, com bolhas nos pés e ligeiramente coxo da última queda, que apesar de não ferir-lhe em nada, afinal sua pele curtida pelo solitário sol se tornara mais resistente, deixara um incomodo a cada passo. Era algo como uma fisgada profunda, algo que lhe puxa as entranhas conforme se aproxima do fim, algo que sem dúvida procura seu coração. Seu coração, primeiro ferido no início da jornada, e exposto, alvo fácil, tornara-se apenas um ferimento podre e infecto, uma pústula com a qual se aprende a conviver. Ele não entende porque algo ainda procura seu coração. Por isso ele caminha tão decidido ao fim, ele diz. Ele acredita que chegando ao fim da caminhada poderá sentar e descansar, as bolhas hão de se curar, a dor que o mantém coxo talvez vá desaparecer, talvez ele possa finalmente lavar a poeira que recobre o seu rosto, agora muito mais envelhecido (será que ele se reconhecerá?). Ele espera, no fim da jornada, descansar. Só que isso é o que ele diz a si mesmo. Mas ele mente. Ele sabe que aquela fisgada profunda que busca seu coração pode alcança-lo. E ele teme. Ele teme que a dor daquela fisgada que puxa todas as suas entranhas, que hoje é apenas um incomodo, só há de se ampliar quando ela puxar junto o ferimento aberto que é seu coração. Então ele caminha, para chegar ao fim da estrada, apavorado, orando, para que a fisgada não alcance seu coração. Para aquela dor que ele imagina cruciante nunca toque-lhe a pele. Para que ele possa descansar antes que seja exposto a dor máxima que um homem pode sentir: a morte do seu próprio coração.
terça-feira, 17 de maio de 2011
Excelentes Amigos
Saímos do Mineiro Bill a meia-noite daquele domingo. O Mineiro é um bar gay de Belo Horizonte que se inspira nos sallons e cowboys para sua decoração, que recém-reformado ganhara um novo piso e um palco para apresentações ao vivo, que estrearia no sábado seguinte, abrindo mais um dia na semana. Ele funcionava apenas aos domingos e, naquele, eu havia sido convidado pelo Anselmo para acompanha-lo já que ele, após um ano do fim do namoro, decidira voltar ao mercado. "Quero beijar, Foxx, preciso de homem na minha vida de novo". E fomos! Ele atiçado para conhecer novas pessoas, eu quieto no meu canto, inclusive sem beber, ainda de ressaca por causa da festa que minha roomate havia organizado no dia anterior, fiquei então aproveitando a música, bebendo refrigerante e fumando enquanto observava as pessoas.
- Então, quem era aquele que te abraçou tão entusiasmado lá na pista principal? - Perguntou-me o Anselmo enquanto ligava o carro - Mas antes de você responder, me faz um favor?
- Claro!, concordei.
- Onde vamos continuar a noite?
- Como assim, criatura de Deus? Eu tenho que preparar minha pré-qualificação nesta terça-feira. Tenho que ir p'ra casa!
- Olha - continua o Anselmo - eu só beijei três até agora, preciso de mais. E gargalhou, enchendo o carro com o som grave de sua risada, continuando em seguida: - Se você topar eu te banco. Quanto deve estar a entrada?
- Dez, quinze, domingueiras são nessa faixa de preço mesmo. Respondi.
- Ok, eu pago! Vamos?
Pensei por um segundo, enquanto os olhos dele brilhavam de excitação.
- Ok, vamos!
- É por isso que gosto de você, mesmo sem beber, 'tá sempre animado.
- Pau p´ra toda obra.
Ele riu e concluiu: - Vamos pr'o Gis então. Mas, então, quem era o garoto?
Era o Lou, que aparecera do nada entre a multidão, segurando duas cervejas e sorrindo. Abraçou-me dizendo que estava com saudades. E eu relembrei como nos conhecemos, semanas atrás, na festa de aniversário de um ex-blogayro, o HMG, mas principalmente, eu relembrei de como sai de lá encantado com ele, de como passamos a noite conversando e rindo, fazendo inclusive com que as pessoas achassem que éramos namorados. Agora, domingos depois, ele estava lá. "Precisamos parar de nos encontrar assim por acidente", disse-me ele, "não gosto, precisamos combinar de sair a partir de agora". Eu concordei, já havíamos trocado Facebook então era possível marcarmos qualquer coisa sim.
- Então, vocês dois ficaram na Velvet?
- I'd wish, mas não! Eu só fiquei... encantado, sabe?
- Ele estava com quem lá?
- Com um amigo dele e... o peguete dele.
O peguete era um cara bem mais velho que ele e eu. Cabelos brancos as têmporas. Que felizmente não os vi em momento algum se beijando, eu teria realmente me sentido estranho se o visse beijando outro, apenas um conhecido que comentou que sempre após eu me afastar que eles se beijavam. O conhecido veio me contar estranhando a situação. A confirmação, no entanto, veio no decorrer da noite. Eu fumava na parte externa do bar, quando ele apareceu cambaleante, saindo do banheiro. "Estou muito bêbado", dizia com um sorriso de derreter cordilheiras, o gelo e a pedra. Até que comentou: "Ai, aquele cara é um problema na minha vida, ele tem uns problemas, sabe?". Fiquei curioso, mas não insisti para que ele falasse. "Ah, ele é ex-seminarista!". E concluiu. Como se aquilo encerrasse o problema. Fui então forçado a argumentar que ser ex-seminarista não é problema para ninguém, na verdade, que se alguém é ex-seminarista provavelmente deve ter menos problemas de aceitação que alguém que nunca foi. "Afinal, ele largou tudo para poder ser gay, isso não é pouca coisa". Ele pensou um pouco enquanto bebia a cerveja, me abraçou e disse: "Acho que estou sendo preconceituoso", eu disse que tinha certeza que ele estava a ser. Foi quando ouvi a gargalhada gostosa dele e ele, olhando nos meus olhos, falou: "Olha, te conhecer no aniversário do HMG foi a melhor coisa que aconteceu naquela noite. De verdade! Não estou falando da boca p'ra fora. Tenho certeza que seremos excelentes amigos". Eu sorri agradecido. E concordei.
- Que paia! - disse o Anselmo, já com o carro em movimento - Mas não ligue não, um dia alguém vai enxergar a pessoa incrível que você é. Um dia vai sim! Agora que caminho a gente faz p'ra chegar no centro mesmo?
- Segue a Pedro II direto, amigo, direto.
- Então, quem era aquele que te abraçou tão entusiasmado lá na pista principal? - Perguntou-me o Anselmo enquanto ligava o carro - Mas antes de você responder, me faz um favor?
- Claro!, concordei.
- Onde vamos continuar a noite?
- Como assim, criatura de Deus? Eu tenho que preparar minha pré-qualificação nesta terça-feira. Tenho que ir p'ra casa!
- Olha - continua o Anselmo - eu só beijei três até agora, preciso de mais. E gargalhou, enchendo o carro com o som grave de sua risada, continuando em seguida: - Se você topar eu te banco. Quanto deve estar a entrada?
- Dez, quinze, domingueiras são nessa faixa de preço mesmo. Respondi.
- Ok, eu pago! Vamos?
Pensei por um segundo, enquanto os olhos dele brilhavam de excitação.
- Ok, vamos!
- É por isso que gosto de você, mesmo sem beber, 'tá sempre animado.
- Pau p´ra toda obra.
Ele riu e concluiu: - Vamos pr'o Gis então. Mas, então, quem era o garoto?
Era o Lou, que aparecera do nada entre a multidão, segurando duas cervejas e sorrindo. Abraçou-me dizendo que estava com saudades. E eu relembrei como nos conhecemos, semanas atrás, na festa de aniversário de um ex-blogayro, o HMG, mas principalmente, eu relembrei de como sai de lá encantado com ele, de como passamos a noite conversando e rindo, fazendo inclusive com que as pessoas achassem que éramos namorados. Agora, domingos depois, ele estava lá. "Precisamos parar de nos encontrar assim por acidente", disse-me ele, "não gosto, precisamos combinar de sair a partir de agora". Eu concordei, já havíamos trocado Facebook então era possível marcarmos qualquer coisa sim.
- Então, vocês dois ficaram na Velvet?
- I'd wish, mas não! Eu só fiquei... encantado, sabe?
- Ele estava com quem lá?
- Com um amigo dele e... o peguete dele.
O peguete era um cara bem mais velho que ele e eu. Cabelos brancos as têmporas. Que felizmente não os vi em momento algum se beijando, eu teria realmente me sentido estranho se o visse beijando outro, apenas um conhecido que comentou que sempre após eu me afastar que eles se beijavam. O conhecido veio me contar estranhando a situação. A confirmação, no entanto, veio no decorrer da noite. Eu fumava na parte externa do bar, quando ele apareceu cambaleante, saindo do banheiro. "Estou muito bêbado", dizia com um sorriso de derreter cordilheiras, o gelo e a pedra. Até que comentou: "Ai, aquele cara é um problema na minha vida, ele tem uns problemas, sabe?". Fiquei curioso, mas não insisti para que ele falasse. "Ah, ele é ex-seminarista!". E concluiu. Como se aquilo encerrasse o problema. Fui então forçado a argumentar que ser ex-seminarista não é problema para ninguém, na verdade, que se alguém é ex-seminarista provavelmente deve ter menos problemas de aceitação que alguém que nunca foi. "Afinal, ele largou tudo para poder ser gay, isso não é pouca coisa". Ele pensou um pouco enquanto bebia a cerveja, me abraçou e disse: "Acho que estou sendo preconceituoso", eu disse que tinha certeza que ele estava a ser. Foi quando ouvi a gargalhada gostosa dele e ele, olhando nos meus olhos, falou: "Olha, te conhecer no aniversário do HMG foi a melhor coisa que aconteceu naquela noite. De verdade! Não estou falando da boca p'ra fora. Tenho certeza que seremos excelentes amigos". Eu sorri agradecido. E concordei.
- Que paia! - disse o Anselmo, já com o carro em movimento - Mas não ligue não, um dia alguém vai enxergar a pessoa incrível que você é. Um dia vai sim! Agora que caminho a gente faz p'ra chegar no centro mesmo?
- Segue a Pedro II direto, amigo, direto.
sexta-feira, 13 de maio de 2011
Homo Academus
Sinto que é tarde para mim. Que estou atrasado. Que a vida que eu vivi é tão pouca. Que eu não fiz nada do que já deveria ter feito. Não que as conquistas sejam mínimas: bacharelado, licenciatura, mestrado e doutorado; convites para palestras em universidades pelo Brasil; publicações de livros e artigos no Brasil e exterior, mas ficou ou não claro, é inegável, todas as conquistas, vitórias, alegrias, que tenho, pertencem ao mesmo campo. Todas se enquadram dentro do que podemos aqui chamar do Homo Academus que sou. Um acadêmico, um literato, um historiador. Nessa área, tenho vitórias inegáveis, dia após dia. Mas o que posso dizer sobre os outros aspectos de minha vida?
Semanas atrás, no Twitter, fui criticado porque eu era apenas um "talzinho que só sabe jogar o seu discurso acadêmico para cima da gente"; no grupo do Babalu Neon do Facebook fui considerado apenas um "chato pseudo-intelectual". Mas é verdade, é só isso, e apenas isso, que eu sou. O único discurso, a única experiência de vida que possuo, é acadêmico. É oriunda dos livros, dos artigos, dos blogs que li. Qual a experiência que eu tenho com relacionamentos humanos? Meus amigos sempre foram personagens de livros e eu era um dos Novos Mutantes; meus amores, atores em comédias românticas e o Alexandros em Termópílas; e minha família só surgiu dentro de explicações sociológicas, antropológicas e históricas sobre a pequena burguesia. Nunca fui nada mais do que isso, sou apenas um acadêmico, e não tem quem me convença de que eu estou perdendo muitas experiências não vivendo nada mais do que isso, porém, por mais que eu tente eu nunca consigo ser nada mais do que o Homo academus.
sexta-feira, 6 de maio de 2011
Luz e Sombra
Ele está de pé, sozinho, quando ergueu sua taça. Escolhera um vinho cor de sangue que se debatia nas paredes de cristal da taça antiga que recebera de herança de sua mãe. Ele erguera taça às sombras, num brinde nefasto, que o cercavam como Fúrias, suas únicas companheiras da comemoração que se arrastava. Ele se levantou, brindou com as sombras e se deixou cair na poltrona, bebendo toda a taça num único gole e logo reabastecendo com a garrafa esverdeada que deixara largada no chão. Em seguida, ele tateou a pequena mesa ao lado, pois temia ver as luzes da sala acesa, procurando os cigarros. Acendeu um entre os dentes, vendo, depois de muito tempo, a primeira luz, agora oriunda do isqueiro. A chama iluminou, muito rapidamente, a sala completamente vazia, mas não de móveis, livros ou quadros, nem de plantas ou mesmo o aquário cuja bomba era o único som a rivalizar baixinho com a música de Renato Russo que ele decidira ouvir na sua festa solitária. Todos os objetos naquela sala haviam sido comprados por ele mesmo, os livros todos lidos na sua solidão acadêmica, as fotos só mostravam seu rosto, apesar de sorridente, solitário, as lembranças que povoavam aquela sala eram unicamente dele. Aquela chama, vaga, iluminou a vida vazia dele, vazia de companhia. Por isso ele preferira aquela noite no escuro. E, a partir de agora, decidira, acenderia o cigarro de olhos fechados.
quarta-feira, 4 de maio de 2011
Perseu?
Caminho sozinho, sombras apenas me acompanham, como também são as únicas que me recebem quando avanço. Estou só. Caminho no escuro, e apesar dos passos firmes de quem avança sem medo de cair, não deixo de sentir a angústia análoga a que escapa da boca de um cardíaco. Sinto um angústia primeva ao caminhar sozinho, no escuro. Angústia essa que me comprime o coração. Apertado, a angústia sobe para minha garganta e falta-me o ar, junto as palavras. A sensação logo se espalha para meu corpo como uma dormência até que atinge a alma. Nela, tudo simplesmente congela, petrifica e morre, como se a própria Medusa tivesse deitado seus olhos outrora dignos de uma deusa no meu próprio coração e ele tivesse, simplesmente, parado de bater.
Sinto que quando caminho, sozinho, no escuro, acompanhado apenas de sombras - caminhada esta que refaço todos os dias, porque não existe mais nenhuma luz em minha vida, esta é a verdade - eu perco um pedacinho a mais da minha alma. Algo em mim simplesmente morre. Petrificado pelo olhar da Górgona, assassinado pela filha de Fócis e Ceto. Cada vez que a Medusa desliza seus dedos para acariciar meu coração, vinda das sombras, e o paralisa por alguns segundos, sem sangue, sem ar, eu caminho mais próximo, de braços quase dados, com a minha própria morte.
Como evitar a Medusa a fitar-me o coração? Paro de caminhar pelas trevas de minha vida, caminho único, e conservo-me distante dos olhares petrificantes da irmã mortal de Esteno e Euríale mantendo o pouco de alma que ainda me resta? Ou me arrisco, pelo caminho tenebroso, em busca de uma luz ao fim da caminhada, correndo o risco de definitivamente ver minha alma e meu coração sepultados em pedra? Fujo ou enfrento o mostro que me envenena o coração com sua simples presença? Serei eu um simples mortal ou Perseu?
PS: Ao Anônimo do post anterior: como eu queria que todas aquelas estórias fossem apenas um sonho, querido. Como eu queria! Teria me evitado o prejuízo de ter um celular roubado. E de verdade, você, "anônimo", ter inveja de uma estória que termina comigo sendo assaltado é realmente muita falta de vida, não é? Cuidado com a sua Medusa, pessoa!
PS: Ao Anônimo do post anterior: como eu queria que todas aquelas estórias fossem apenas um sonho, querido. Como eu queria! Teria me evitado o prejuízo de ter um celular roubado. E de verdade, você, "anônimo", ter inveja de uma estória que termina comigo sendo assaltado é realmente muita falta de vida, não é? Cuidado com a sua Medusa, pessoa!