Google+ Estórias Do Mundo: abril 2011

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quarta-feira, 27 de abril de 2011

Azul, Amarelo, Vermelho Também.

Azul

Noite de domingo em Belo Horizonte, aniversário do querido ex-blogayro HMG na Velvet, uma boate underground, num dos porões dos prédios da Savassi, que caiu nas graças do público moderninho da cidade recentemente, sobretudo pelas festas eletro-pop que ocuparam o espaço carente de baladas que era o domingo a noite. Estou no banheiro, já estou lavando as mãos e o rosto, quando um moreno de cabelo moicano aparece no espelho, atrás de mim.
- Oi. Ele fala.
- Tudo bom? Respondo.
- Sim! Sabia que você é muito lindo?
- Obrigado! - respondo - Você também é.
Ele sorri malicioso. 
- Vi que seu namorado já foi embora.
- Namorado?
Antes que eu pudesse explicar qualquer coisa, ele me puxou para um dos reservados, e me pressionando contra a parede, me beijou, apertando meu pau por cima da calça (que reagiu rapidamente). Beijou rápido, como quem rouba um beijo. Somente quando ele parou para respirar um pouco que pude falar.
- Não tenho namorado. Ele é só meu amigo.
Ele me deu um beijo mais suave dessa vez.
- Amigo? S-e-i. Falou se demorando em cada uma das letras. E saiu, me deixando sozinho no reservado.
Foi quando voltei até o HMG na pista e falei:
- Acabaram de me dizer que o seu amigo, Lou, é meu namorado.
Fazendo-o rir em alto e bom som.



Amarelo

Na área de fumantes da Velvet, em Belo Horizonte, um desconhecido se aproxima de mim e do meu amigo. 
- Qual o seu signo?
- Leão - respondo, me recompondo.
- Leão?! De que dia?
- Dez de agosto. 
- E você? - vira-se para meu amigo.
- Leão também, de sete de agosto.
Ele nos olha assustado e apreensivo e vira-se para o homem que está ao seu lado. 
- Olha, amor, os dois são leoninos.
- E carecas - responde o "amor" - e com cara de homens. - E vira-se para mim. - Você tem cara de homem. Essa barba, têm pêlos também?
- Tenho! - e mostro pela gola da camisa os pêlos do peito.
- Mas tem nas costas? Ele - apontando para o namorado - gosta de pêlos nas costas.
O "amor", visivelmente embriagado, aloja-se no meu ombro insinuante, quando o namorado fala.
- Leoninos são perigosos, sempre sexuais, não são bons namorados.
- Quem é perigoso são os librianos que sempre traem seus namorados, - respondo - sempre têm dois namorados, e nunca sabem com devem ficar.
Os dois desconhecidos me olham assustados. "Amor" é o primeiro a falar.
- Ele é de libra.
- Vamos embora, amor! 
E sai, sem dizer mais nada. Eu e meu amigo trocamos apenas um olhar e caímos na gargalhada. 



Vermelho

Parado no ponto de ônibus, na Av. Paraná, é madrugada. Poucas pessoas esperam seus ônibus para casa. Um cara qualquer se aproxima e pede um trago no meu cigarro. Ele tem as mãos sujas, usa havaianas, e fala tropeçando nas palavras. 
- Você gosta de uma orgia? Pergunta ele.
Sem responder, apenas olho para ele, surpreendido.
- Desculpe, não queria ser inconveniente. Mas você gosta?
- Depende, ora. Respondo.
- Depende de quem.
- Pode ser eu... - falou tentando se aproximar, quase colocando a mão suja no meu ombro - você é um cara legal, simples, humilde como a gente, não deixa de falar com as pessoas... eu 'tô muito maluco.
- Eu estou vendo!
- Você não está não?
- Não!
- Você não bebe?
- Bebo, mas eu 'tô legal.
- Ah, eu 'tô maluco. Eu uso craque, sabe como é? 
Fudeu, pensei na hora.
- Você é um cara legal, não vai rolar a orgia não?
- Não, cara.
- Então passa o celular ai - e mudou o tom de voz - passa o celular, só quero o celular, trabalho com dinheiro não. E passa o celular que tua vida não tem muita importância p'ra mim não. Passa rápido! 
- 'Tá bom! 'Tá bom! - e tirei o celular do bolso, passando para ele - Toma! Mas você não vai conseguir nada com essa bosta que você 'tá roubando. Vale nada!
- Passa essa porra, logo! Que tua vida não vale nada p'ra mim! Quer dizer, vale: menos de cinco reais que é o preço de uma bala. Passa logo e sai caminhando... quero ver tua cara por aqui mais não.
- Ok! 
E sai andando, até encontrar um posto policial, onde fiquei esperando, novamente, meu ônibus. 

sábado, 23 de abril de 2011

Queen


Um boom ba bay, um boom ba bay, um boom ba ba bay

Foxx: Eu tô com a pulga atrás da orelha aqui, por causa de um episódio de How I Met Your Mother. Nesse episódio eles discutem em como sempre que você vai apresentar alguém para outra pessoa você sempre tem um "mas". Tipo, "ele é lindo, inteligente, interessante..." e depois "mas...". 

Pressure pushing down on me, pressing down on you no man ask for, 
Under pressure, That burns a building down, splits a family in two, puts people on streets

RRL: Eu acho que sei qual o seu "mas".
Foxx: Sabe?
RRL: Sei, quer que eu fale?
Foxx: Claro que quero, fale, qual seria meu "but"? 

Um ba ba bay, dee day duh, That's Ok! It's the terror of knowing. What the world is about? Watching some good friends screaming 'Let me out'? Pray tomorrow gets me higher. Pressure on people, people on street
RRL: Por mais preconceituoso que possa ser e é...

Day day day, da da da dup bup, O.k., chippin' around, kick my brains around the floor. These are the days it never rains but it pours

RRL: A verdade é que (eu penso que seja) a maioria das pessoas que querem algo sério não querem chamar atenção e, portanto, não gostam de homens efeminados. 

Ee do bay bup, ee do bay ba bup, people on streets, 
dee da dee da day, people on streets, dee da dee da

RRL: É aquela hipocrisia de que você já falou e é sim o medo de ser sempre apontado, mas eu entendo (porque tenho isso por mais que me recrimine). Óbvio, é covardia...

It's the terror of knowing. What this world is about? 
Watching some good friends screaming 'Let me out?

Foxx: Sim...

Pray tomorrow - gets me higher high high - pressure on people - people on streets - 
turned away from it all like a blind man

RRL: É, mas eu não saberia levar um relacionamento com alguém efeminado ao ponto de todos sacarem no ato: "Olha! aqueles dois são um casal". Pura covardia! Tentar aquele fit in que você fala. 

Sat on a fence but it don't work. 
Keep coming up with love, but it's so slashed and torn

Foxx: Aham, I totally agree.

Why - why - why ? Love love love love love

RRL: Eu sei, eu sei... não acho que seja digno, mas é assim como eu que a maioria se comporta. 

Insanity laughs under pressure we're cracking
Can't we give ourselves one more chance

RRL: Prefere perder uma amizade, um amor, para se proteger e eu faço isso por mais que não goste dessa minha atitude. 

Why can't we give love that one more chance?

Why can't we give love...?
give love give love give love give love give love give love give love give love...


RRL: Já pensei: "ah, todo mundo já duvida de mim, ja tem quase certeza, e se eu ficar toda hora conversando com aquela pessoa aí q vão ter certeza". 

'Cause love's such an old fashioned word

And love dares you to care for
The people on the edge of the night
And loves dares you to change our way of
Caring about ourselves
This is our last dance
This is our last dance
This is ourselves
Under pressure
Under pressure


Foxx: Posso colocar isso no blog?

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Cinderela.

- Olá, gato?
- Oi! Tudo bem com você?
- Tudo bem! E contigo?
- Bem... quer dizer, tem algo estranho.
- Estranho?
- É! Estranho! Tem algo diferente na minha vida, e eu estou muito surpreso com isso.
- Diferente?
- É! Inédito!
- Você vai me contar logo ou vai ficar só aumentando o suspense?
- Calma que eu conto sim... bem, quinta-feira passada, aconteceu de novo. 
- De novo?
- É! De novo! Eu estava correndo na Pampulha e um garoto, lindo de morrer, me abordou no meio do caminho e me passou o telefone.
- Gente! A Pampulha é o lugar! Mas eu quero os detalhes. Como assim ele te abordou?
- Eu estava correndo e cruzei com ele, olhos nos olhos, eu olhei para trás, ele estava olhando... então, como não custa nada, eu parei de correr, quando ele viu isso, retornou. Como eu vi que ele estava retornando eu fui até ele também. E conversamos. 
- Ele tava correndo?
- Não, caminhando pela orla apenas. 'Tava de calça e bolsa. Ele contou que era de São Paulo e 'tava apenas passeando pela Pampulha para conhecer o lugar. E era lindo! E tinha um sorriso!
- 'Tá! Já entendi que ele era lindo. Mas e o que vocês conversaram mais?
- Bobagens! Nada realmente importante. Mas também trocamos telefone, como eu disse. Ele disse que não queria atrapalhar que eu estava correndo. Mas era mentira.
- Mentira? 
- É! Primeiro ele perguntou se eu morava ali perto, depois que nos separamos ele me mandou uma mensagem perguntando se eu morava sozinho. E como respondi que divido apartamento, ele disse que nos encontraríamos depois.
- Ah, ele queria só uma trepada, n'é?
- Com certeza!
- Que pena! Achei que você ia contar que estava saindo com alguém, finalmente. Engatando algum relacionamento. Quem sabe quase namorando.
- E no coelhinho da Páscoa você também acredita, n'é? Mas, de qualquer forma, tem algo de estranho nisso. Nesse mês de março eu fui abordado, mais ou menos dessa maneira, por cinco caras.  Com esse agora, em abril, são seis. Isso nunca aconteceu comigo antes.
- Alguém se aproximar, conversar com você, te pedir o telefone?
- É, exato! E pouco importa se o resultado continua o mesmo...
- Resultado?
- Sim, resultado! Eu continuo solteiro, ou os caras só querem sexo, ou não passa de um encontro, de qualquer forma o resultado é o mesmo, mas é diferente porque claramente as pessoas estão me notando por onde eu passo. 
- ...
- E, principalmente, me notando e se dando ao trabalho de tentar me conhecer de alguma forma. Dessa forma me sinto mais... como direi...
- Como dirá?
- Mais interessante. Interessante talvez seja a palavra. Mas no sentido de causar interesse, entende? Interesse o bastante para que a outra pessoa saia da sua zona de conforto e chegue até mim. 
- Mas você não está sendo muito passivo nessa sua atuação não?
- Passivo?
- É! Você quer que ele se aproxime de você. E você não faz nada?
- Não, não é ele se aproximar, é ele demonstrar que está interessado. Por exemplo, eu parei, não parei?, para falar com o cara nesta quinta? Eu também não fui até ele também? Mas fiz isso porque ele demonstrou algum interesse olhando para mim e voltando quando eu parei. 
- Ah, entendi! Você quer reciprocidade!
- Exatamente. 
- E você sente que está começando a receber isso?
- De alguma forma, sim. O que é muito diferente para mim. Não estou acostumado com isso. Nenhum pouco.
- Fico feliz por você! Quem sabe é o início de uma nova fase. Quem sabe agora, depois de muitos telefones dados a pessoas aleatórias que não passaram de primeiros encontros, com algum deles finalmente você tenha um segundo encontro.
- Será que é isso mesmo? Realmente devo admitir que parecer ser isso. Uma nova fase começando. E seria bom ter alguns encontros fracassados, p'ra variar, afinal bad dates is better than no one date. Se algum deles daria certo, bem... não tenho como precisar... porém seria bom entrar na fase "procurando a Cinderela", testando o sapatinho em toda a cidade. 
- Cinderela?
- É! Mas, no caso, eu sou o príncipe, eles que são a Cinderela. 
- Olhar, definitivamente é uma nova fase, você agora 'tá até se colocando como príncipe. Definitivamente é uma nova fase.
- Tomara. Tomara!
- Mas além dessa novidade, tem mais alguma?
- Ah, só que vou receber o fofo do In.Constante aqui em casa...

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Os Cavaleiros de Hela

 (foto de minha autoria)

Eles estão vindo. Ele ouve o barulho no escuro. Os passos apressados. As palavras aterradoras. Eles falam contra nós. E estão vindo. Estão vindo. Ouve o barulho de armas e punhos cerrados. Escuta o ódio que vaza aos borbotões. Escuta a morte, Hela, que abençoa seus cavaleiros. Eles estão vindo. Eles desejam o sangue. O sangue de inocentes. Seu ódio, pelo outro, por aquele que não é como eles.  Odeiam quem é diferente. Eles estão vindo. Chegaram. Mas ele não foi rápido o suficiente para escapar ao primeiro soco.
Eles gritam a todo pulmão, sem vergonha. "Monstro", gritam! "Anormal", gritam! "Viadinho", gritam! E puxam. Puxam o seu corpo assustado que cai inerte e chutam. Eles que chegaram, do escuro, chutam o corpo que está no chão e xingam. "Você não é normal", "Você é contra a natureza", "Você não é de Deus"! No chão, ele sangra. A costela se rompe, o pâncreas é perfurado, mas é o bílis do outro que o inunda. Porque eles chegaram.
E ele do chão ergue os olhos em volta, e pede ajuda. Estão ali, ao redor todos como ele, iguais a ele, frágeis como ele. Mas não vêem o sangue que ele cospe, e não ouvem as palavras que eles gritam para ele. Ele ergue seus olhos, que agora têm dificuldade de olhar para o céu e implora ajuda. Mas Ele também não o atende. Eles, lotados de ódio, são os únicos que o vêem. Os iguais não querem vê-lo ali no chão, sangrando, porque sabem que podem se tornar os próximos. Os iguais se escondem, de medo, atrás da cegueira. 
Mas eles terminaram de matar mais um inocente. E saíram, e nenhum dos iguais os viu, porque os diferentes nem notaram. O sangue de mais um está no concreto do calçamento. Mais um corpo jaz inerte agora, e agora ele é igual a todos os outros que jazem inertes. Aos mortos. Os cavaleiros de Hela que perseguem os diferentes agora saem a caça de seu próximo alvo. Um daqueles iguais que se esconderam. Eles estão vindo. Ele ouve o barulho no escuro. Os passos apressados. As palavras aterradoras. Eles falam contra nós. E estão vindo. Estão vindo.


Dia 02 de Abril de 2011, numa calourada de Letras, da Faculdade Federal de Minas Gerais, cinco homossexuais foram agredidos em manifestações de homofobia. Ninguém, afirmam os presentes, gays e heterossexuais, viu os casos acontecendo. A própria universidade se recusa a acreditar que tais casos realmente aconteceram. As pessoas têm medo de ver, acredito, até o dia que eles chegarem até você. 

sábado, 9 de abril de 2011

Homem De Verdade



- Olha, na minha opinião, tudo o que você disse dele, você também é. Bonito, inteligente, interessantérrimo. E, concordo com minha namorada, charmosíssimo! Porque ela fala isso de você. 
Disse com um cigarro aceso entre os dedos, e o isqueiro verde na outra mão.
- Ah, é?
- É. "O Foxx é muito charmoso". Sempre diz... 
E sorriu.
- Mas como eu dizia, os adjetivos que você usou para descrevê-lo podem todos serem utilizados para você, contudo, tem gente, que não gosta de pessoas iguais a elas. Tive uma namorada assim uma vez. Ela não me fazia nenhum elogio, as amigas dela diziam o quanto eu era bonita, interessante, e bla, bla, bla, mas ela nunca me dizia. Por quê? Porque isso incomodava a ela. Feria-lhe os brios. Estar com alguém que estava no mesmo nível dela a incomodava porque feria o seu orgulho.
- ...?
Antes de continuar, tomou um gole da cerveja, e falou:
- É isso mesmo! Ela me trocou por uma fulaninha qualquer aí... mas falávamos de você. O que quero dizer é que pessoas como nós. Eu e você. Precisamos de alguém que nos banque.
- "nos banque"?
- É. Um cara p'ra te namorar, por exemplo, tem que ser muito homem. Ele tem que ter muita confiança nele para ficar do teu lado, de cabeça erguida, e não se sentir ofuscado. Você é leonino, cara! Você brilha sem esforço, e é bonito, inteligente, interessantérrimo e charmoso. 
- Como diz sua namorada.
- Como diz minha namorada.
Repetiu sorrindo.
- Acho, sinceramente, que o seu "problema" é esse. 
Disse fazendo as aspas com os dedos que seguravam o cigarro.
- Você não encontrou esse cara que te banque. Mas, de certa maneira, isso é de se esperar, homem de verdade 'tá em falta no mercado.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Small Talk

- Oi?, disse-me aquele menino moreno, que havia parado de correr ao cruzar os olhos comigo, no exato momento em que eu fazia a curva para voltar, à altura do quilometro 10,5 da Lagoa da Pampulha.
- Oi! - respondi, e tentando parecer o mais natural e másculo possível - Tudo bem?
- Tudo! Resolveu caminhar hoje? Falou.
- Sim, resolvi. Estava com muita preguiça de correr hoje, então resolvi hoje só caminhar. Sabe como é, né? Como a culpa foi maior que a preguiça, então, eu vim, pelo menos, caminhar um pouco. Além do mais, se eu não fizer nada, essa barriga aqui não some.
Ele riu, mas continuou: - Realmente, correr nesse calor que está fazendo...
- Verdade - complementei - até estava me perguntando hoje, no Facebook, quem foi que desligou o outono. Até semana passada tava tão agradável.
- É mesmo - concordou ele - acho que até sexta-feira tava um clima ótimo aqui. Ai, de repente, esse calor...
Ele terminou de falar e ficou em silêncio por alguns segundos, quando continuou:
- Vai até aonde?
- Ah, eu já estou voltando. Venho até aqui e volto para o Liberdade.
- A pé? Disse ele, surpreso.
- Claro! Não é essa a idéia? Caminhar? 
- Bem, é... eu moro ali perto, no Dona Clara, mas...
Agora foi minha vez de rir. E novamente uma pausa, desta vez mais demorada, ele checou seu celular. Então tomei a dianteira.
- Seu nome?
- Ah, João. E ponto. Não houve interrogação, ele novamente olhava o celular.
- Eu me chamo Foxx, prazer!
Ele sussurrou um prazer baixo e agora digitava algo no teclado qwerty do celular.E ficamos os dois em silêncio, que aos poucos, eu notei, começou a deixá-lo constrangido e inquieto. Ele olhava para o celular o tempo todo.
- Você costuma caminhar por aqui sempre sozinho? Perguntou-me, finalmente.
- Na verdade, eu costumo correr aqui. E normalmente corro sozinho. Meus amigos normalmente furam comigo quando marcam de vir. Ai, eu desisti de convidá-los. E sorri para ele.
Ele mal sorriu em resposta e novamente olhava para o celular. Somente aí falou:
- Eu costumo vir com uma amiga, mas hoje ela não veio. 
E novamente um silêncio se instalou entre nós. Foi quando ele disse:
- Olha, vou correr agora, ok?
- Mas... - balbuciei, mas rapidamente me recuperei - 'Tá! Claro! Vai lá!
Ele só virou-se e correu e eu continuei caminhando, naquele início de noite.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Tem Tudo Isso

"Mas tudo isso não adianta de nada, se nesta selva obscura e
desvairada não se souber achar a bem-amada
- para viver um grande amor"
Vinicius de Morais



Tem desenhos, pinturas, papiros, calendários e espelhos nas minhas paredes.
Minha cortina foi feita com retalhos de tecidos coloridos e me lembra uma lona de circo.
Eu prendo a cortina com uma tira de tule.
Eu tenho aqui, em Belo Horizonte, cento e três livros em uma estante de metal.
E mais de cento e vinte revistas em quadrinhos. 
São três travesseiros na minha cama.
Um candelabro antigo apoia meus livros na prateleira. 
Seis cristais estão no umbral da janela. 
Eu tenho um aquário com um peixe, um betha azul, chama-se Barnabe.
Tem um vaso de violetas também, que não floresce nunca. 
Há um guarda-roupa de armar, e uma sapateira de caixa de maçã que eu fiz.
Tem dois cabideiros na parede também. Um para roupas chuvalhadas, outro para meus dez bonés. 
Na mesa do computador, com uma luminária que fiz com uma garrafa de vinho gaúcho, também tem um cofre de vaca que o Bê me deu, junto com um coelho de borracha que o Dani me trouxe de presente.
Tem hidratante, vitaminas, perfumes, desodorante, loção adstringente, óculos, fones de ouvidos, luvas de musculação, presente do Gusta Fernandes, contonetes, máquina de cortar cabelo, minhas pulseiras e colares, tudo em uma estange de plástico.
No cesto tem roupa suja.
Tem quatro livros que peguei nas bibliotecas da UFMG.
Estão guardados em cima do guarda-roupa dois edredons, dois cobertores, vários lençois.
E três toalhas e uma manta.
Tem um porta-lápis feito com o tubo de papelão do papel higiênico, que tem pincéis, lápis de cor, lapiseiras, apontadores, lápis nº 2, canetas, uma tesoura e um estilete. 
Tem um cortador de unhas e duas pinças.
Um tapete e uma cadeira de escritório que deixa minha bunda quadrada ficam em frente ao computador.
Tem o cd do Creator Alme que o Mamma Sybill me deu, do acustico do The Corrs e da Cássia Eller e da Ópera do Malandro.
Eu tenho as temporadas completas de Avatar, Glee, Wolverine and The X-Men, Sex and The City, Queer As Folk, Noah's Arc, The Big Bang Theory, Spartacus e Ugly Betty.
Tem o cd do Celtic Woman, presente do Vilser.
Tem o dvd de X-Men 2, Ben Hur, Bastardos Inglórios, Pulp Fiction, Velvet Goldmine, Era do Gelo, Encontros e Desencontros, Dia de Furia, Bent, Party Monster, Hermanoteu na Terra de Godah, 300, Cartas de Iowjima e Júlio César. Também tem Amores Imaginários, Eu Matei a Minha Mãe, The Boy of The Band, Trick, Orações para Bobby, Rock Horror Show e O Outro Lado de Hollywood.
Várias cópias dos cronistas dos séculos XVI e XVII que eu trabalho estão numa caixa de aguardente.
Em cima, tem um squeeze que o Anjo esqueceu quando veio aqui em casa.
Tem caixas de encomendas dos correios que guardam documentos e os carregadores de meus celulares.
Também jaz ali minha câmera fotográfica, e seu cabo e seu carregador.
Tem papel sulfite, branco, mas as vezes compro amarelo ou verde.
Tem oito bolsas penduradas num porta-bolsas que fiz, do lado oposto ao porta-cintos que trouxe de Natal, com quinze cintos.
Sem contar com as camisas, camisetas e regatas que uso para ficar em casa, eu tenho cinquenta e duas, mais dois cachecois, doze blusas de frio (ou seriam casacos?), sete calças jeans, três calças de alfaiataria, uma de sarja e um moletom, onze bermudas, de cumprimentos variados, várias cuecas e meias, cinco shorts (sendo dois micro) e uma mala.
Ali está um insensário que não é meu.
Tem dois guarda-chuvas que eu e uma amiga trouxemos de Inhotim.
Tudo sobre um chão de madeira, sem esquecer das paredes brancas, e um teto. E a luz fluorescente.
Tem tudo isso, mas o que eu quero, não tem.