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quinta-feira, 26 de março de 2009

PASSADO: A Corda E o Banco

Ele estava ali, naquele quarto, no escuro de uma noite de outubro. Era um domingo. Prostrado diante de uma corda de sisal, pendurada nos caibros de maderia do telhado, e um banco pequeno no chão. Chamava-se Paulo Alberto, tinha dezesseis anos, tinha um trabalho para entregar na escola quando o sol nascesse, mas nada estava pronto, só que ele não se importava mais com nada, pois já se considerava morto. Ele sabia que estava morto. Ele sabia que sua vida acabara.
Para um observador desatento, Paulo era um adolescente suburbano comum. Jogava futebol a tarde com os amigos e torcia para o Palmeiras, frequentava a escola ou pelo menos algumas aulas, gostava especialmente das de História, tinha uma namorada e não era nem mais virgem. Um adolescente bem comum, diria-se. Mas tudo o que Paulo não se sentia era comum. Não desde que descobrira os prazeres que o corpo de outro homem poderia lhe dar. Paulo não era comum e se envergonhava disso. Envergonhava-se profundamente.
Alguém comum não passaria pelo que ele estava passando desde a sexta-feira quando recebera o resultado daquele exame. Quando o médico deu-lhe com olhos gelados uma sentença de morte. Ele, aquele menino crescido, queria apenas alguém com quem conversar naquela noite. Precisava urgentemente após a notícia que destruíra sua vida. Mas ele não tinha com quem conversar. Com quem se abrir? A quem contar que agora tinha AIDS? Ele sabia que não era o único. Na sua escola mesmo haviam pessoas como ele. Alunos e professores. Não deviam ser doentes como ele, porque agora ele era doente. Mas eram como ele. Porém Paulo não sabia como conversar com eles. Antes ele tentara o que sempre soubera fazer, tentara seduzí-los, pois Paulo era bonito. No auge da juventude do seu corpo, no auge da beleza que só a juventude pode garantir, era fácil conseguir o sexo de outros homens. Bastava duas palavras e um sorriso sacana. Paulo, então, tinha esses homens para si. E, às vezes, eles ainda lhe davam presentes. Mas ali, naquela noite, em que uma dura verdade fora jogada em seu colo, não tinha com quem se abrir. Estava sozinho, no seu medo e sua dor, isolado.
Agora descobrira que estava doente. Algum dos homens com quem se deitara passara-lhe uma doença sem cura e agora ele só via uma saída. Aquela corda e aquele banco. Não podia contar a todos que tinha AIDS! Como explicar como contaminara-se? Como explicar que, às vezes, ele gostava de sentir outro homem dentro de suas carnes? Como explicar para sua namorada, que contara-lhe na sexta-feira que estava grávida, que agora ele iria morrer de uma doença de viado? E que ela podia morrer também! Paulo estava apavorado.
Sua avó bateu na porta do quarto e disse qualquer coisa que ele não entendeu. Estava na casa dela desde que recebera a notícia, se escondeu lá. Lembrou até que um de seus professores morava ali perto. Podia procurá-lo? Mas como dizer aquelas coisas que queimavam nos seus lábios quando ele tentava pronunciar, como? Como?! Ele levantou-se e socou a parede, praguejando contra si e contra o destino cruel em que ele se inscrevera. "Viados! Todos!", e ele mesmo também. Sentara no canto, chorando, e pensando que também era viado, gay, bicha e ia morrer por causa disso. E chorou mais. Foi chorando que subiu naquele banco. Foi chorando que colocou a corda no seu pescoço e pulou. E foi chorando que sua avó, tempos depois, encontrou seu corpo azul, pendurado no teto da casa. Sem ar. Morto.




Esta estória é baseada em fatos reais. Paulo realmente existiu, foi meu aluno, e realmente se matou quando descobriu que tinha AIDS, apenas eu, na escola, sabia que ele fazia sexo com homens, apesar da namorada que mantinha. Este texto é em memória dele, para que ele nunca seja esquecido.

34 comentários:

  1. Linda historia...
    sem palavras...
    para expressar...

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  2. Triste, impactante, trágica!!!
    Belo texto foxxito, gosto quando vc mostra tbm que a vida não é só flores.

    Parabéns
    Bjs

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  3. Um silêncio necessário se faz agora...

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  4. Caramba...
    Chocante.
    E real.

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  5. ...as palavras são mesmo escassas para traduzir o modo como me deixou silenciado

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  6. As vezes cavamos a própria cova e nem percebemos.
    E é isso que me dá medo! ={

    Uma história semelhante a essa pode acontecer com qualquer pessoa...

    Pode??Com qualquer pessoa????

    =OO

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  7. Incrivel, estava a conversar sobre isso com um amigo hj... os jovens não estao nem ai para a AIDS. E quantos perdem sua vida tão cedo, quantos não continuam a corrente da morte...

    é duro..

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  8. me dá uma agonia ouvir essas coisas...

    aids me apavora...

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  9. Camisinha Sempre*

    Não me abalo... è fato!

    e a bee o Clô era babado! hahaha

    e adorei o Post anterior! bjunumamilo!

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  10. Me senti fraco, sem ação e triste. Bom final de semana Foxx!

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  11. .a solidão é desespero. o medo frente a uma sociedade viciada em clichês e costumes ultrapassados, natural. a desistência tem sua força, muitos cedem, porque nem sempre a idéia de que tudo é possível acontece dessa forma...

    .abraço

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  12. eu não tinha entendido o comentario do Pequeno Diabo no meu post ate ler o seu blog. Engraçado que falamos do mesmo assunto de pontos de vista diferentes. e não posso dizer que não senti um aperto na garganta com o final da sua historia...


    L.C.

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  13. Uma vida ímpar como a de todos nós! Ótimo fim de semana.

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  14. É... você já me contou ela a um tempo atrás...
    Bjo...

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  15. Triste história, belíssimo texto. Bj

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  16. É triste saber que coisas assim acontecem todos os dias, é triste ver uma vida ir a baixo por causa de instantes impensados...

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  17. Odeio chegar aqui e não ver novidade!
    :-(

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  18. Foxxx, meu angel... o homorango continua o mesmo... ele é mais do que danado...

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  19. antes tarde do q nunca rs.

    brincadeira..
    thanks pelo link ;)

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  20. A realidade que nos cala. Ótimo relato e muito pertinente.

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  21. Essas coisas me cortam o coração.

    bjs!

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  22. PARABENS VOCE FOI INDICADO AO OSCAR BLOGAYRO NA CATEGORIA: "BEST LAYOUT - MELHOR LAYOUT".

    BOA SORTE!

    Confira mais em: www.raggiungere.blogspot.com

    Mensagem eletrônica porque sou phyna caraleo! kkk

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  23. Meu querido parabens pelo texto e pela concientização!

    Emociona e pra mim é algo mais!

    Saudades de passar aqui...

    :)

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  24. Bobo.. 2 semanas.. até sabado né? hahaha Porque se tu não entendeu.. Rolou Fervo no sábado..

    E Hoje de novo... HAUUAAUAH

    Se Cortaaaaaaa.. uhauhauhahua

    to brincando.. Bjobjo

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  25. Numa hora dessas é que as vezes nos encontramos sem ninguém. Mesmo que cercado por pessoas.

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  26. O mais trágico é que ele acabou com a vida dele e de uma outra pessoa também, a namorada. A Aids veio pra matar galera, cuidado.

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway