Hoje eu acordei às 10:30h. O sol atravessava as frestas da janela e cobriam de dourado a parede branca do meu quarto. Levantei-me e quando olhei em volta, vi-me cercado pelas memórias de um quarto que ocupo desde os sete anos de idade. Lá estavam nas paredes todas as cores já pintadas, todos os quadros que já existiram, todas as fotos que hoje estão guardadas, todos móveis que já se foram, toda vida que encheu aquela saleta vazia. Lembrei-me do beliche de madeira que dividia com meu irmão. Lembrei-me de minha mãe me dando mamadeira ainda dormindo, antes de me chamar para trocar de roupa. "Seu Adelmo passa já para te levar para escola". Lembrei de Seu Adelmo e do barulho que o micro-ônibus dele fazia. Lembrei da fitinha que prendiamos na nossa roupa. Éramos os da fita vermelha. Isso permitia que as professoras soubessem de que transporte nós pertencíamos. Lembrei que eu só tive professoras até a quarta série, quando conheci tio Ivonildo, o único professor daquele jardim. Jardim Escola Sossego da Mamãe. Lembrei da angustia que eu senti, quando aos oito anos, quando entrei no ônibus, haviam acabado as fitas. Eu lutei com todos os meus amiguinhos para que um deles me desse uma, porque eu tinha medo de ser esquecido na escola, porque não tinha a fita. Todos eles repetiam que eu não precisava me preocupar. "Se eu não preciso me preocupar, me dá a tua", e eu sempre ouvia: "Eu não, vai que me esquecem na escola".
Levantei-me e entrei na sala. Os sofas e tapetes de um suave dourados contrastavam com os antigos móveis pesados, negros e verdes, que eu subia e deitava nas costas do sofá. "Menino, desce daí". Ao passar pela sala, me vi pequeno atrás do antigo sofá comendo purê. Minha lembrança mais querida da infância. Também me vi sentado, comendo rosquinhas de coco e assistindo a tarde Muppets babies, aquela música ainda ecoa na minha cabeça. "Muppets Babies, we make our dreams come true, Muppets Babies, we"ll do the same for you". Revi a antiga porta da sala, lembrei das vezes que meus pais precisavam trabalhar a tarde e me deixavam sozinho para cuidar do meu irmão mais novo. Aquela porta ficava fechada, não podíamos chegar até a área que dava para rua, e das janelinhas daquela porta que eu ficava olhando o mundo passar, quantas vezes a abri, as janelinhas para mim, a porta para meus irmãos, por ela me vi transformar-me de menino em homem.
Atravessei a sala de estar, e entrei na cozinha, onde dores antigas me assolaram. Manchas antigas de sangue e faíscas elétricas reapareceram. Queimaduras. Cortes. Quando cortei meu dedo fazendo uma camera de tv de papelão para um trabalho da escola. Revi o sangue escorrendo grosso e encarnado. Meu irmão mais velho pedindo para que eu me acalmasse e lavando o ferimento e dizendo: "'Tá vendo como o corte é pequeno?". Mas o sangue saía aos borbotões. Ele então levou-me ao hospital, com o dedo enrolado numa toalha que chegou ao hospital empapada. Resultado: seis pontos no meu dedo indicador. Os primeiros pontos que levei. A câmera nunca ficou pronta. Também lembrei de paredes antigas. Vi um quarto antigo. O meu antigo quarto que ficava ali. Lembro dos ultimos dias nele. Da tv em preto e branco que minha vó deu para eu e meu irmão mais novo. Assistiamos Changeman e Jaspion naquela tv, todo fim de tarde. Lembro que havia uma mancha nas telhas da casa, logo acima da minha cama, que parecia um grande cão pastor alemão. Aquela mancha me assutava. Eu deitava na minha cama já com os olhos fechados para não ver aquela mancha. Minha mãe ria e desejava boa noite, me lembrava de rezar, e eu sempre perguntava: "Como começa?". Meu irmão mais velho ria. Ele não entendia que eu só lembrava depois que minha mãe dizia: "Com ela me deito, com ela me levanto"... eu continuava: "Com a graça de Deus e com o Espírito Santo, cubra-me Maria com seu divino manto". Lembrei dos beijos de Fabíola neste quarto ainda.
Através da janela e a porta da cozinha que hoje dão para a área de serviço, revi o antigo quintal cheio de flores e terra batida e sombreado por um pé de serigüela que nunca deu uma fruta. Revi meu irmão caçula se balançando na árvore e comendo as folhas da serigüela e eu e Fábio, escondidos nas sombras, conhecendo o amor. O toque suave dele, as brincadeiras que desconheciam culpa, mas só sabíamos que ninguém poderia saber. Beijos. Sonhos. Gozos. Revi os feijõeszinhos que eu plantava no pé do muro do quintal, nunca cresciam. Revi os passarinhos que eu criava que atiravam sua ração ao chão apenas para ter a companhia dos pardais.
Passei em direção ao banheiro e passei diante da porta do quarto dos meus pais. Olhei a cama e me vi lá deitado. A noite, com eles, assustado por causa de uma crise de sonambulismo. Ao dia, com André, meu primeiro namorado. Juras. Promessas. "Eu estava sentindo tanta saudade sua". Vi quando aquele quarto já fora uma pequena cozinha. Quando um dos meus irmãos mais velhos trazia brinquedos para mim, sempre perguntando antes: "Você gosta de mim?". O dia que eu disse não, ele deu para meu irmão mais novo o Xegundo Xou da Xuxa. "E todos dançam, o pega, estica e puxa... E viva a festa da Xuxa". Por falar na Xuxa, lembro quando meu pai me pegou mexendo na maquiagem da minha mãe, naquele mesmo quarto, uma curiosidade infantil que nunca se repetiu, e ele me proibiu de assistir Xuxa, porque disse que era influência dela.
Dali entrei no banheiro. Vi o chão coberto de areia. Porque sem minha mãe saber eu coloquei todos os meus amigos da rua para brincar lá dentro de casa, e por algum motivo inexplicável resolvemos brincar no banheiro. Lembrei de Hélio. Tudo molhado. Tudo elameado. Isso foi o resultado final. Também vi o dia que quebrei minha perna. Que minha mãe fez questão que eu viesse em casa tomar um banho, pois estava na praia, para depois ir ao hospital.
Vi meu passado manchado nas paredes de minha casa. Não foram necessárias luzes especiais e lentes de aumento, ele estava lá tão claro. Senti pela primeira vez ligado a um lugar, enraizado, fixo. É, por incrível que pareça! Eu pertenço, de alguma forma, a este lugar.
Que bacana! Quantas lembranças, coisas vividas, passado vindo à tona.
ResponderExcluirLendo o post lembrei de mta coisa que tb passei, que assisti, que vivi.
Sinto saudade, queria voltar no tempo, não para mudar o que já aconteceu, mas para aproveitar mais toda aquela fase.
Abraço!
Nossa que texto lindo Foxx!
ResponderExcluirÉ impossível não relembrar tudo o que fizemos nesses anos lendo ele. É tão bom poder recordar todos os momentos que nos tornaram quem somos hoje =)
Saber que temos uma história. Que vivemos coisas importantes para nós. Aiai.. saudade daquela época. Mas não sei se queria voltar no tempo. É melhor eu aproveitar tudo o que está por vir do que viver anos e anos de repetição..rsrs
Beijo amigo! =*
nossa fox...
ResponderExcluirbelas lembraças cara...
ta igual a mim...
no dia em que acordei e vi que o tempo passou bastante...
na verdade eu econtroi um brinqueto antigo que achei que tinha roubado...
abração fox
Eu já falei que sou seu fã?
ResponderExcluir^^
Beijão, meu lindo, nos falamos.
eu nao vejo nada disso na miha casa. nao via pelo menos, gracas a voce agora eu vou sofrer por me mudar. ;/
ResponderExcluirabracao rapozao
Pelo amor de Deus tira uma foto dessa casa!!
ResponderExcluirnossa... quase q me lembro de algumas coisas da minha infância, mas me lembro q ainda to vivendo ela ! uauhaa
ResponderExcluirNossa quantas lembranças. Tem dias que eu fico assim tb, lembrando das atigas casas, dos professores, da minha primeira escolha que se chamava 'Escolinha da Mônica'... Tantas doces lembranças.
ResponderExcluirPena que as que têm vindo a mente ultimamente tem me machucado, mas é assim mesmo, lembrar é viver.
Menino,
ResponderExcluirQue memória hein?! Que bela descrição das coisas que marcaram tua infância, Foxx. Tão delicado, tão sensível... parabéns, adorei!
Um beijo!
vo te confessar que fiquei traumatizado vendo muppets baby, eu adorava, mas certa vez apareceu uma cena num epsódio de um cara vestido de Ku Klux Kan, juro, eu andava pela casa e via aquele cara que parecia um fantasma, foi duro minha mae me converser do contrario :x
ResponderExcluirai que bosta, só queria ficar em casa a vida toda vendo pokemon na tv =/
Beleza, vamos fazer assim então: Caso eu vá a Natal, saímos pra dançar aí... Se vc vier a Fortaleza antes disso, saímos pra uma balada aqui, q tal?
ResponderExcluir=)
Olá Foxx, tudo beleza?
ResponderExcluirCara, muito massa seu blog... Faz agente viajar. Adorei.
Abração.
Lindo texto!!!
ResponderExcluirLembranças...Lembranças...
Adorei!
Bjo
E deixe sempre que as raizes produzam dentro em vc o que for necessario!
ResponderExcluirAbracao
Valeu pelo comentário!
ResponderExcluirAdorei teu post!
Acho q vai sobrar mais recordações ruins do q boa!
PQ é quando terminamos um namoro q erôneamente colocamos tudo em uma balança!
Abração!
Raposinho, sem palavras. Só lembranças. Lindo!!!!
ResponderExcluirBeijos
Amei o blog.
ResponderExcluirRealmente, memórias nos fazem criar raizes e pegar afeto por coisas aparentemente pequenas para os outros, mas que tem um valor enorme para gente.
Lar, doce lar.
abração
Cada texto, hein moço?
ResponderExcluirMuito lindo! Beijo!
Fui contagiado por uma estranha nostalgia quando li este texto... como se fosse minha própria.
ResponderExcluirExcelente semana pra ti!!!!!
Lindo, lindo, lindo... Lembrar é preciso!!! Hehehehe!
ResponderExcluirE o conselho do Cris, tá seguindo?
Há sempre qualquer coisa de mágico quando revisitamos os lugares da nossa infância. Os lugares onde fomos, e às vezes ainda somos, felizes.
ResponderExcluirAbraço.
Boa tarde. Não sei o por que de eu estar chorando ao concluir a leitura de suas lembranças. Mas as lágrimas insistem em rolar.
ResponderExcluirPode ser porque em boa parte do seu texto eu literalmente me "vi" nele.
Gostaria apenas de enfatizar a parte que você relembra a "fita" da escola.
Muitas vezes nos esquecemos de colocar nossa identificação; por vezes "perdemos" nossa identidade e sentimos medo de nos deixarem de lado, de nos esquecerem na escola da vida.
O Certo é apenas uma coisa: Ninguém te dará a "fita da identidade". Não peça; você não será ouvido. Se a perder, recupere da melhor maneira: Seja você!
Um grande abraço.
E desculpe a invasão
ola como vai? Que nostalgia linda hein, seu post me remeteu a um livro que estou lendo chamado Istambul do Pamuk, stá na lita dos mais vendidos, fala destas reminicências da infância é tão belo como seu texto, abção ate mais
ResponderExcluirLembranças...
ResponderExcluirFeche os meus olhos quando tudo acabar...
Beijos.
Certeau, cotidiano, memórias, tudo junto no liquidificador, né? Deu pra te conhecer um pouquinho melhor depois dessa! Lindo texto. ;) Abraço.
ResponderExcluirEngraçado... essa semana eu me peguei fazendo esse retrospecto... dá uma sensação boa, não?
ResponderExcluirUm abraço. :)
Tipo Assim..
ResponderExcluirTexto Lindo Querido..
Lembrei de muita Coisa de minha casa.. Mais a parte que mais Ri Foi quando Citou Muppets Babies... Sorrisos... Eu sempre achei o Gonzo?? aquele azul com um Pinto no lugar Do nariz.. Muito engraçado.. Sorrisos.. Agora em pergunto.. Se o nariz era daquele jeito.. huahuahua imagine o resto... huahahuahuahuhuauha Eu Não presto.. e sei que tu me ama Por este detalhe!
BJO
Di Sunshine