Estou sentado na sala dos meus pais. Minha mãe acabou de fazer uma pequena cirurgia e precisa de ajuda com o ferimento e com as tarefas diárias que ela não pode fazer enquanto recupera-se. A televisão está ligada na Sony, meus pais tem a Claro TV que meu irmão assina para eles, mas eles só assistem dois canais, a Canção Nova, minha mãe, e o SportTV, meu pai. Somente quando eu chego por lá que outros canais são visitados e que eles assistem animados, minha mãe gosta da programação da GNT, por exemplo, com aqueles programas de culinária para jovens yuppies, e meu pai gosta do Discovery e The History, mas gosta especialmente de programas sobre decoração e arquitetura do Discovery Home and Health. Mas ambos me criticam quando eu assisto minhas séries, dizem eles ser uma perda de tempo, mas ver a terrível programação infantil do canal católico ou um jogo de futebol que já sabemos o resultado de um time desconhecido parece ser bem importante. Eu respondo: "Assisto TV para me divertir, não para aprender".
Voltemos a Sony. Neste verão, o tema da campanha para reforçar a marca do canal é sensualidade, e em uma de suas chamadas um conjunto de cenas de beijos aparece, entre eles um de o Diário de Bridget Jones e outra de American Pie, ao qual quero me deter.
São duas coisas que quero me deter, na verdade. As cenas são claramente bem diferentes, e é interessante ver isso, sobretudo na sequência com o Seann William Scott e o Jason Biggs, em que duas meninas se beijam antes, e também na que atua Reneé Zellweger, que o beijo entre duas mulheres pode e deve ser encarado com naturalidade. O Diário de Bridget Jones é voltado para um público feminino que aprende com ele a se comportar na situação em que uma outra mulher tenta beijar você, Bridget reage com calma e tranquilidade. Ela demonstra se sentir lisonjeada, mas que infelizmente ela não sente a mesma atração. Ela pede desculpas, como pediria a um homem que também estivesse interessada nela e o sentimento não fosse recíproco. Na outra ponta, em um filme voltado para garotos adolescentes heterossexuais cujo tema principal é perder a sua virgindade, o beijo entre dois homens é motivo de nojo, e só acontece por causa da possibilidade de participar da fantasia repetida exaustivamente do sexo com lésbicas. O que é ensinado é tenha nojo. Nojo de fazer, nojo de ver, porque aqueles que assistem em cena estão constrangidos, e o motivo para as meninas pedirem o beijo é apenas para humilhá-los também. O que se aprende é que aqueles que beijam homens devem ser humilhados e assisti-los se beijar é constrangedor ou motivo de piada.
De onde vem isso?, é a primeira pergunta, em seguida questionamos: existe uma diferença de preconceito para com lésbicas e para com gays? Na verdade não, mas existe sim uma diferença de lugar social. Os especialistas no assunto costumam explicar que lésbicas, como mulheres que são, foram colocadas pela indústria pornográfica como objetos de desejo. Orgias, menage à trois, fantasias de haréns que colocam o homem, garanhão, exercendo seu poder sobre um sem-número de mulheres ao mesmo tempo e sendo viril o bastante para dar conta de todas elas são temas frequentes dos filmes adultos. É daí que surgiu o prazer visual que homens heterossexuais aprenderam a sentir ao ver duas mulheres fazendo sexo. Eles sentem que serão convidados a qualquer momento para participar daquela situação e trazer seu poder sobre aquelas duas mulheres dando-lhes o falo que faltava aquela relação. A fantasia é de óbvia subjugação das duas, de controlar seu corpo e seu prazer porque somente o homem pode ter prazer através do seu pênis. Já do lado masculino, não preciso explicar de onde vem o nojo, o constrangimento, a humilhação não é?
De onde vem isso?, é a primeira pergunta, em seguida questionamos: existe uma diferença de preconceito para com lésbicas e para com gays? Na verdade não, mas existe sim uma diferença de lugar social. Os especialistas no assunto costumam explicar que lésbicas, como mulheres que são, foram colocadas pela indústria pornográfica como objetos de desejo. Orgias, menage à trois, fantasias de haréns que colocam o homem, garanhão, exercendo seu poder sobre um sem-número de mulheres ao mesmo tempo e sendo viril o bastante para dar conta de todas elas são temas frequentes dos filmes adultos. É daí que surgiu o prazer visual que homens heterossexuais aprenderam a sentir ao ver duas mulheres fazendo sexo. Eles sentem que serão convidados a qualquer momento para participar daquela situação e trazer seu poder sobre aquelas duas mulheres dando-lhes o falo que faltava aquela relação. A fantasia é de óbvia subjugação das duas, de controlar seu corpo e seu prazer porque somente o homem pode ter prazer através do seu pênis. Já do lado masculino, não preciso explicar de onde vem o nojo, o constrangimento, a humilhação não é?
Ah, mas isso não causa resultado? Ai entra o outro tema da minha postagem. Minha mãe estava sentada em frente a televisão quando a Sony exibiu sua chamada. Eu já tinha visto várias vezes antes, despertando em mim somente o questionamento de porque a relação entre o beijo feminino e masculino são distintas (obrigado Sony, btw), mas ela não havia percebido, foi quando ela reparou dois homens se beijando. A reação foi imediata.
- Que pouca vergonha é essa dentro da minha casa?!?
Eu me assustei. Ela estava alterada.
- Desligue a TV! Mude de canal! Eu não quero nada disso dentro da minha casa!
Eu estava paralisado. De susto.
- Mude de canal imediatamente.
Eu não fiz nada, foi tudo muito rápido, e eu somente entendi o que estava acontecendo minutos depois. Ela bufava. Eu não discuti, mas também não mudei de canal, deixei lá onde estava, e ela, sei lá, esperava uma discussão comigo que não veio. Mas levantei, vi que era hora de dar-lhe o remédio, dei, e disse que precisava ir em casa tomar um banho.
Deixei-a sozinha em casa, mas vejam: ela não viu as mulheres se beijando. Não causou nenhuma reação nela, e minha mãe não assiste, acho eu, filmes pornôs, o que significa que este estrago causado pela indústria de filmes adultos já é tão profundo que alcançou a minha mãe tornando-a insensível ao beijo feminino, mas ainda capaz de demonstrar tanta revolta com um beijo entre homens (se vocês estão preocupados comigo, não fiquem, eu nunca namoro, lembram? Não tem chance dela me ver beijando alguém em hipótese alguma), porém também existe uma outra opção: que essa permissividade com as lésbicas seja anterior à pornografia, que ela já tenha passado para o erotismo heterossexual como um todo porque já existia antes, mas de onde? Historicamente, inclusive, a homossexualidade feminina tem sido bem mais perseguida que a masculina, forçada sobretudo a uma invisibilidade social com o silenciamento de suas protagonistas, o que não aconteceu com os homens que se dedicaram ao amor que não pode ser nomeado, como dizia Oscar Wilde, afinal ele não podia ser nomeado, mas não impediu que o próprio Wilde escrevesse a maior carta de amor da história. É uma questão de o ovo ou a galinha, quem veio primeiro: a permissividade com as lésbicas ou a pornografia?
Deixei-a sozinha em casa, mas vejam: ela não viu as mulheres se beijando. Não causou nenhuma reação nela, e minha mãe não assiste, acho eu, filmes pornôs, o que significa que este estrago causado pela indústria de filmes adultos já é tão profundo que alcançou a minha mãe tornando-a insensível ao beijo feminino, mas ainda capaz de demonstrar tanta revolta com um beijo entre homens (se vocês estão preocupados comigo, não fiquem, eu nunca namoro, lembram? Não tem chance dela me ver beijando alguém em hipótese alguma), porém também existe uma outra opção: que essa permissividade com as lésbicas seja anterior à pornografia, que ela já tenha passado para o erotismo heterossexual como um todo porque já existia antes, mas de onde? Historicamente, inclusive, a homossexualidade feminina tem sido bem mais perseguida que a masculina, forçada sobretudo a uma invisibilidade social com o silenciamento de suas protagonistas, o que não aconteceu com os homens que se dedicaram ao amor que não pode ser nomeado, como dizia Oscar Wilde, afinal ele não podia ser nomeado, mas não impediu que o próprio Wilde escrevesse a maior carta de amor da história. É uma questão de o ovo ou a galinha, quem veio primeiro: a permissividade com as lésbicas ou a pornografia?