Google+ Estórias Do Mundo: maio 2013

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sexta-feira, 31 de maio de 2013

Fim


- Alô?
- Oi, Foxx!
- Pode falar, amigo? - olhei no relógio e era quase meia-noite.
- Posso. Respondeu ele tímido, do outro lado do telefone.
- Tem certeza?
- Oxi, tenho. Que houve?
- Aconteceu uma coisa aqui...
- Omi, fale logo que já 'tô aqui agoniado...
- Lembra do Mr. Creepie, né? Ele colocou as garras de fora...
- Vixi, que foi que ele fez?
- Deixa eu te contar do início para você me dizer se ele tem alguma razão nisso...
- Humm...
- Você sabe que nós não estávamos namorando, não é?
- Sim, inclusive acho que você tava meio que enrolando o menino com essa estória de não assumir compromisso com ele...
- É exatamente este o ponto que quero chegar: eu não tinha nenhum compromisso com ele.
- Sim, de fato, vocês apenas ficavam.
- Então como eu não tinha nenhum compromisso com ele, eu me senti na liberdade de conhecer outras pessoas e teve um menino que eu estava conversando...
- Conversando?
- É, conversando!
- Conversando nada, seu malandrinho, dando mole para o menino, isso sim...
Eu ri, nesse momento, e admiti.
- Ok, era isso mesmo. Dando mole sim. E assim... esse menino me ligou uma noite, de madrugada, era por volta de 2h da madrugada. Eu estava com o Mr. Creepie e ele me perguntou quem era. Eu respondi que era um amigo, porque de fato ele era apenas um amigo, nós nunca nem chegamos a ficar, um amigo que normalmente me ligava de madrugada quando saía para beber, não era a primeira vez...
- Ok...
- Ai tem uma coisa que eu não sei se sonhei ou se aconteceu de verdade: depois dessa ligação, eu voltei a dormir, mas eu tive a nítida impressão que o Mr. Creepie levantou e olhou meu celular, mas não posso afirmar nada...
- Então, ignoremos a sua paranóia... 
- Sim, vamos nos ater aos fatos: quando acordamos o Mr. Creepie me perguntou se havia alguma outra pessoa em quem eu estava interessado, e se eu estava sem tesão nele porque já fazia algumas semanas que nós não fazíamos mais sexo (ele havia calculado pelo menos 20 dias). Eu, sinceramente, achei que não devia contar nada sobre o outro menino com quem eu conversava, não tínhamos nenhum compromisso, não havia porque ficar falando coisas que provavelmente só o deixariam magoado, até porque o outro menino também não era nada sério, pois nem nos tínhamos visto pessoalmente ainda...
- Entendi...
- Só sei que fomos conversando no ônibus que me levaria ao trabalho e ele para poder pegar um outro ônibus para a casa dele (ele teria que pegar dois ônibus de qualquer jeito), e até chegamos a conclusão ali que o grande problema do nosso relacionamento era que ele me exigia coisas que eu não estava pronto para dar, e eu exigia coisas que ele não estava pronto para ceder... que era necessário termos paciência um com o outro.
- Ok, mas em que momento ele mostrou as garras.
- Eu estava no trabalho quando recebi uma mensagem do menino com quem eu falava no telefone me perguntando quem era o Mr. Creepie, que ele havia entrado em contato com ele pelo Facebook. Eu soube logo o que estava acontecendo, que ele estava investigando quem era o menino que me ligava de madrugada. Eu achei que por mais que eu tivesse dado chances para ele, esses comportamentos compulsivos sempre retornariam, e eu ia brigar, e ele pedir desculpas, e nós nunca nos moveríamos para frente porque ele estava sempre cometendo os mesmos erros que me incomodavam e prometendo mudar...
- Ai, amigo, você sabe que ninguém muda, né?
- Mas eu tinha que tentar, não tinha? 
- Tinha...
- Pois, ele fez mais do que só investigar. Como ele investigou, eu liguei para ele dizendo que isso era a gota d'água, que tínhamos tido uma conversa séria sobre isso horas antes e ele estava fazendo novamente as mesmas coisas... terminei então o que nem havíamos começado, ele falou que não era assim, e começou a pedir desculpas, que precisávamos falar pessoalmente, eu disse que não, não precisávamos. 
- Eita...
- Ele então, por telefone, concordou que era melhor ficarmos separados, por fim, terminou inclusive dizendo que eu era uma pessoa especial e que queria manter minha amizade e, que, quem sabe, quando eu me tornasse alguém mais maduro, nós poderíamos tentar de novo.
- Maduro?
- É, e eu concordei com ele, porque nesse quesito "relacionamento", eu sou mesmo imaturo. Mas quem disse que ele ia manter a palavra? Só sei que a próxima notícia dele foi ele me enviando uma mensagem, no Facebook, dizendo "adeus, Foxx", e me bloqueando na rede social. Soube depois que nas mídias dele, Twitter, Ask.Fm, ele começou uma saraivada de indiretas e diretas a mim, dizendo que a vingança era boa e que a raposa agora não passava de uma estola.
Ouvi risos do outro lado do telefone nesse momento.
- E o que ele fez, amigo?
- Bem, ele entrou em contato com o menino que eu estava falando no telefone e mentiu. Falou que éramos namorados, que na hora que ele ligou nós estávamos fazendo sexo, que eu estava enganando ele e o menino. O menino me ligou puto! Acreditou, obviamente, em todas as palavras dele e não gostou nada do que eu teria feito. E quem gostaria não é? Afinal, de repente, ele havia se tornado meu amante. 
- Foi só isso que ele fez?
- Só isso? Você acha pouco?
Risos foram ouvidos antes a resposta.
- Claro que acho, por toda a sua história com esse menino, podia ter terminado bem pior. Mas, de fato, que bom que terminou e esse foi o maior mal que ele te causou: o fim de uma paquera. E você aproveitou não é? Você viveu essa estória como queria. Saiu de uma situação sem experiência nenhuma com essa espécie de psycho e aprendeu sua lição, inclusive, agora podendo reconhecer o que havia de psycho nos seus próprios comportamentos anteriormente. Você aprendeu, viveu isso, pena que não durou mais porque eu realmente estava torcendo por você, porque qualquer que te conhece sabe o quanto você desejava que isso desse certo...
- Sim, desejava...
- Pois é, agora só resta ir em frente, e torcer que o próximo que apareça seja um pouco melhor...

terça-feira, 28 de maio de 2013

China: O Exemplo de Long Yang




A poesia chinesa levanta uma imensa dificuldade para qualquer pesquisa sobre relações homoeróticas quando se pesquisa o chinês clássico que é a indiferenciação, muito comum nos idiomas do leste e sudeste asiático, do gênero gramatical. Assim, os poemas da Dinastia Tang (entre 618-910 d.C.) podem ser facilmente lidas como voltadas para um homem ou para uma mulher, porque seu gênero neutro permite que esta decisão seja feita de acordo com o desejo do leitor. Além disso, boa parte da poesia chinesa foi escrita por homens que assumiam uma voz poética feminina, isto é, eles construíam uma persona que narrava-lhes o poema. Muitos poemas são, por exemplo, retratos de meninas que acabaram de tornar-se mulheres que eram preparadas para o casamento ou de esposas abandonadas por seus maridos ou amantes. Outra complicação na tentativa de separar os temas homoeróticos na literatura chinesa é que a maior parte da histórias registradas tinham como objetivo alcançar o leitor que frequentava a elite culta do Império, entre o quais qualquer discussão sobre sexo era considerada vulgar, essas referências, quando são feitas, aparecem somente através de alusões veladas. 
O Ensaio Poético na Suprema Alegria é um bom exemplo desta natureza alusiva da escrita chinesa sobre a sexualidade. Este manuscrito procurou apresentar a "suprema alegria" (sexo) em cada forma conhecida do autor, Bo Xingjian, que viveu entre 775 e 826 d.C.. Este, como explica Louis Crompton, em seu Homossexuality and Civilization, utiliza metáforas como chamar o pênis de "caule de jade", a vagina de "precioso portão", o clítoris de "joia do terraço", o próprio sexo é descrito somente como "uma brincadeira entre as nuvens e a chuva". As referências homoeróticas começam ai, e este é o poema mais antigo a mencioná-las: Bo Xingjian chama as relações homoeróticas como "nuvens de cabeça para baixo" e dedica um capítulo inteiro para celebrar os amantes masculinos dos diversos imperadores da dinastia Han, apresentado entre os capítulos que tratam do sexo em mosteiros budistas e o sexo entre camponeses. Tal localização já nos dá um certo julgamento dado pelo autor para as relações homoeróticas, algo entre o proibido (sexo entre os religiosos/monges budistas) e o não-indicado para aquela elite (a falta de refinamento camponês).
De qualquer forma, Bo Xingjian faz referências que necessitavam de um conhecimento prévio da tradição literária chinesa para falar sobre homoerotismo como às mangas cortadas no palácio imperial ou ao semblante de jade, ou dizia que eles eram como o senhor Long Yang. No conto sobre Long Yang, por exemplo, o rei de Wei Yang e Long compartilhavam um barco de pesca. Em determinado momento o senhor Long Yang começou a chorar, fazendo o rei perguntar-lhe porque ele estava chorando. "Porque eu peguei um peixe", respondeu Long Yang. "Mas por que isso faz você chorar?", perguntou o rei. O senhor Long Yang respondeu: "Quando eu peguei o peixe, no começo, eu estava extremamente satisfeito. Mas depois eu procurei um peixe maior, então eu queria jogar de volta o primeiro peixe que eu tinha pego. Devido a este ato de maldita cobiça, eu devo vou ser expulso de sua cama!", entre lágrimas, Long Yang continuava a falar, "Há inúmeras belezas neste mundo, meu senhor. Ao ouvir da minha boca que tenho este terrível defeito sei que tu vais procurar outra beleza mais encantadora que a minha para receber seu favor, e com certeza eles vão beijar às bainhas de suas vestes, para que possam rapidamente se tornarem seus preferidos. Estou agora ao seu lado, meu senhor, já sou um peixe já capturado! E com meu defeito, torno-me peixe pequeno. No entanto existem peixes melhores no rio. Também vou ser jogado de volta! Como posso não chorar?". Profundamente emocionado com as palavras de Long Yang, o rei de Wei anunciou ao mundo: "Qualquer um que ouse falar de outras belezas será executado juntamente com toda sua família", pois a única beleza que o interessava era a de Long Yang.
Infelizmente o que restou do texto de Bo Xingjian foi muito pouco para sabermos o que o autor pretendia defender neste capitulo. Vejamos abaixo o trecho que nos foi legado pelo tempo, traduzido a partir da versão de Bret Hinsch:

(...) arrebatadores retentores e mangas cortadas no palácio imperial.
E assim, lá onde semblante de jade ligado
Durante anos de brilhantes pérolas.
Alguns amavam seu belo refinamento;
Outros foram divididos pela extrema inveja.
(...)
Caso contrário, eles eram como Senhor Long Yang
(...) Que aponta em uma flor (...)
Mizi Xia compartilhou um pêssego com seu senhor.
No primeiro Han, Gaozu favoreceu Jiru
E o imperador Wu favoreceu Han Yan
Nos tempos antigos, os retentores do imperador Hui usavam bonés com penas vistosas,
Caixilhos de conchas e pintavam seus rostos.



Brent Hinsch ainda aifrma, em seu Passions of the Cut Sleev, que como os amores entre pessoas do mesmo gênero são comuns na literatura Zhou, e por isso mesmo, porque essas estórias eram conhecidas por todos, eles raramente citavam o conto todo, a não ser que tivessem um objetivo muito específico com aquela história em si. Contudo Hinsch, psicólogo com doutorado em estudos da Ásia, afirma que pelas relações homoeróticas terem sido colocadas juntamente com as outras formas sexuais que aparecem no livro de Bo Xingjian, este trecho ganha extrema importância porque garante um lugar comum e natural para este tipo de relacionamento sexual dentro do panorama sexual chinês. Diz ele que a linguagem por si só é extremamente neutra, ela não julga, não prega, nem denigre a imagem dos homens mencionados. Também diz o psicologo que ele escreve sem paixão ou envolvimento pessoal, apenas com o desejo de construir uma enciclopédia dos relacionamentos sexuais humanos, e nesta enciclopédia não poderia faltar, de maneira alguma, também os relacionamentos entre pessoas do mesmo gênero. 

sexta-feira, 24 de maio de 2013

"Don't Trust The Bitch In Apartment 23"



A mudança definitiva da casa dos meus pais para meu apartamento só aconteceu esta semana. Inúmeros contratempos me impedriam. Primeiro, o prédio sendo novo ainda não tinha água ligado ao sistema de águas e esgoto da prefeitura. A empresa que cuida disto por estas bandas potiguares, a CAERN, levou daus semanas para finalmente fazer a ligação. Nessa época, desde a posse da chave, eu já comecei a levar as poucas coisas que tenho para o meu novo lar: livros, panelas, coisas de cozinha, baralho, plantas, tudo foi levado aos poucoas para lá. Quando finalmente a água chegou, eu torci meu pé direito. Foi na sexta-feira que encabeçava o fim de semana que eu havia planejado para minha mudança. Esperei então meu pé curar-se. Foi uma semana com ele imobilizado, levantado numa cadeira na sala da minha mãe, mais uma semana com ele quase curado, eu caminhava ainda com insegurança, porém assim que pude pisar firme, ainda na quinta-feira daquela semana, decidi que faria logo a minha mudança. Aí um medo começou a se instalar em meu coração: e se tudo desse errado?
O primeiro medo foi de não conseguir pagar as contas. Água, luz, telefone, internet, aluguel, eram coisas que ficariam sob minha responsabilidade agora, e que eu teria que dar conta com um pouco mais que um salário mínimo. Tive medo de por causa disso ter que desistir de tudo e voltar, com o rabo entre as pernas, para a casa dos meus pais. Seria humilhante! Era um frio na barriga que me impediu no sábado de juntar as minhas roupas, desmontrar meu guarda-roupa e levar minha cama para o apartamento. Outro medo foi a reação da minha mãe. Fique receioso do escandalo que ela faria ao me ver finalmente saindo de casa, afinal depois de tanto tempo ela provavelmente considerava que aquilo era um blefe. E a verdade seja dita: ela não queria que eu saísse porque pretendia curar a minha homossexualidade a base de suas orações. E vinha exigindo que eu a acompanhasse à Igreja que ela frequenta, católica mesmo, me inscreveu em cursos, seminários e repetia sempre que eu devia integrar o Shalom.
Eu só superei meu medo no domingo de manhã. Joguei minhas roupas dentro de malas e com um martelo e uma chave phillips desmontei o guarda-roupa que comprei no meu aniversário passado; demorei neste serviço, e somente a tarde consegui levar as peças desmontadas para o novo apartamento no coarro do meu irmão caçula e remontei o móvel por lá. Depois do roupeiro no seu lugar e as roupas dentro dele, foi a vez de trazer a cama. Todavia, na hora que saí com meu irmão, minha mãe não estava em casa, mas quando retornei para buscar a cama, ela estava lá e a primeira coisa que me disse foi: "Você tem certeza do que você está fazendo?", eu, apesar de não estar nem um pouco certo e estar morrendo de medo, menti: "Claro que estou certo!". Então fui ao quarto e busquei a cama, tive ajuda do meu irmão para isso e, poucos minutos depois, já estava na minha própria casa. Restaram apenas meus quadrinhos por lá, que ainda irei buscar, falta mais uma estante, ela no entanto se despediu de mim dizendo: "Se der tudo errado, não se preocupe, você tem para onde voltar". Dormi cansado na primeira noite na minha casa com medo do futuro que virá.


PS: Meu vizinho de frente é gato, mas muito gato mesmo! Deus do céu!!

terça-feira, 21 de maio de 2013

Intencional




- Amigo, com licença, você está me ofendendo dizendo isso.
- Como, Foxx?
- É, me sinto ofendido com o que você disse.
- Você está ofendido com isso? Só com isso?
- Estou.
- Ah, não era minha intenção te ofender.
- ...
- ...
- Não era sua intenção, queridinho, mas você me ofendeu.
- Ah, mas não era o que eu queria dizer, não era para você ficar ofendido. Não era meu objetivo.
- Meu querido, temos dois problemas aqui: primeiro, se seu objetivo fosse me ofender, o que eu tenho certeza que não era, então não haveria o menor sentido eu te avisar que você está me ofendendo. Se seu objetivo fosse esse, ele teria sido alcançado. E nós brigaríamos.
- Brigar não...
- Ah, claro que não...
- Você é muito sensível, Foxx.
- Ah, nem vem! Não é sensibilidade, é gentileza e boa educação que minha mãe me deu. Você me ofendeu. Fato! Não adianta mudar isso. 
- Mas não foi intencional...
- Ai, Deus! É claro que não foi intencional, como eu já deixei claro, se fosse estaríamos brigando. Porém, e este é o segundo problema: você ainda não pediu desculpas.
- ...
- Você disse que não tinha sido intencional, mas isso não é um pedido de desculpas. Isso não é a gentileza de se retratar. É óbvio, meu caro amigo, que se você tivesse tido...
- Mas eu...
- Por favor, me permita falar sem interrupções. Você não pediu desculpas, e quando cometemos um erro nós devemos antes de mais nada assumir que erramos, e é isso que quer dizer pedir desculpas, assumir que você cometeu um erro.
- Mas eu não errei porque eu nunca quis te ofender...
- Meu querido, eu já disse e vou repetir mais uma vez: se você pretendesse me ofender você não teria motivos para pedir desculpas, porque o seu objetivo, seu plano, sua ideia inicial foi me ofender e você teria a alcançado. E eu me ofendi porque o que você falou foi ofensivo a mim, não a você, a ofensa ela se dá na instância do receptor, porque você pode o quanto quiser me chamar de bichinha, por exemplo, e isso nunca me ofenderia, mas se gritar com algum cara lá na rua, ele, provavelmente, vai se ofender com a mesma palavra, porque para ele isso é ofensivo.
- Mas não foi minha intenção...
- E nem é sua intenção se desculpar porque você não enxerga que cometeu um erro, então eu que peço desculpas... eu que me desculpo por trazer a tona toda esta sua falta de educação. Ah, isto foi com intenção sim de te ofender.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

O Casamento do Ano



Na mesma semana que o Conselho Nacional de Justiça decidiu, numa votação sem estardalhaço, que os cartórios deveriam converter as uniões civis de casais homossexuais em casamentos, como também se dá com os casais heterossexuais, e que também os cartórios deveriam receber e deferir os pedidos de casamento civil de casais do mesmo sexo, a Panini Comics publicou como história de capa da revista X-Men Extra o casamento do mutante gay, Estrela Polar, com seu namorado, Kyle. A Panini é a distribuidora no Brasil das revistas em quadrinhos da DC Comics, editora do Super-Homem, Mulher-Maravilha e Batman, e da Marvel Entertainment, que publica Homem-Aranha, Capitão América, Homem-de-ferro, Hulk, Thor, Vingadores e os X-Men, desde 2002, quando substituiu a Editora Abril. Contemos primeiro quem é o Estrela Polar. 
Jean-Paul Beaubier foi criado em 1979 pela dupla lendária dos quadrinhos Chris Claremont e John Byrne e teve sua primeira aparição em Uncanny X-Men 120. Ele é franco-canadense, nascido em Montreal, e possui os poderes de super-velocidade, vôo, além de força e resistência sobre-humanas. Sua história nos quadrinhos começa com ele sendo um atleta mundialmente conhecido que ganhava as competições de esqui graças aos seus poderes de supervelocidade, desmascarado, ele teve a oportunidade de se juntar a equipe de super-heróis que protegia o Canadá, a Tropa Alfa. Nesta equipe estavam Wolverine; o Guardião, o líder da equipe; os seres místicos Sasquatch e Pássaro da Neve; o feiticeiro indígena Shaman e a irmã gêmea de Jean-Paul, com os meus poderes, Aurora. A Tropa Alfa surgiu apenas para fazer parte da história do passado do Wolverine, porém seus personagens se tornaram tão carismáticos que em 1983 eles ganharam sua própria revista, Alpha Flight, escrita pelo mestre dos quadrinhos, John Byrne, que teve então a oportunidade de desenvolver os personagens criados como coadjuvantes para os X-Men.
Quando Alpha Flight foi lançada já era a intenção de John Byrne de fazer que Estrela Polar fosse gay, porém o editor-chefe da Marvel na época, Jim Shooter, foi terminantemente contra, apoiando-se no Comic Code Authority, que autorregula a publicação de revistas em quadrinhos nos Estados Unidos. Porém, apesar da proibição, Byrne continuou com sua premissa sobre o personagem. Jean-Paul, por exemplo, nunca era visto com mulheres; os próprios personagens discutiam a sexualidade de Jean-Paul estranhando porque ele nunca estava acompanhado, ele respondia que estava muito dedicado a se tornar um campeão olímpico para se dedicar as mulheres. Somente em 1992, em Alpha Flight 106, Scott Lobdell teve a permissão de tirar Estrela Polar do armário e ele finalmente disse: "Eu sou gay!", fazendo a revista esgotar-se das bancas em uma semana. Apesar do sucesso, das questões que envolviam sua sexualidade serem abordadas na revista em quadrinhos, com o cancelamento da Alpha Flight no número 130, em 1994, a sexualidade do herói canadense foi praticamente ignorada por qualquer outro escritor. Houveram citações a sexualidade do Estrela Polar, quando ele aparecia como convidado em outros títulos, como por exemplo do Hulk, escrito por Peter David, que também havia introduzido o segundo personagem gay assumido do universo Marvel, Hector, do grupo Panteão.
Somente em 2002, pelas mãos de Chuck Austen, Estrela Polar foi reintegrado aos X-Men ao ser convidado pelo professor Xavier a integrar a escola. Neste convite, Austen mostra ao que veio pois a primeira discussão entre Estrela Polar e o Professor X é como ele poderia ser professor de crianças se ele era gay, Xavier não demonstra nenhum preconceito, e Estrela Polar passa a fazer parte do time de professores do Instituto Xavier de Ensino Avançado, ensinando Economia, Francês e dando aulas de vôo. Austen explora ricamente o tema da sexualidade de Jean-Paul em suas histórias fazendo-o ter uma paixão platônica pelo X-Man, Homem de Gelo; além de que como professor, ele se torna um modelo para o único estudante gay do Instituto, Anole, de apenas 15 anos. Quando Austen deixou a revista em 2004, Estrela Polar também deixou a equipe, conta-se que ele passa a fazer parte da S.H.I.E.L.D., um grupo de espiões do governo americano, após ser controlado mentalmente pela HYDRA, o grupo de espiões inimigo. Ele só retorna aos X-Men em 2008, com a saga Secret Invasion, na qual a Terra é invadida por extraterrestres capazes de mudar de forma.
A partir do ano seguinte descobrimos que Jean-Paul está namorando o seu agente, Kyle Jinadu, que mora no Canadá, enquanto ele continua nos Estados Unidos junto com os X-Men. Além do namoro, as conversas de Jean-Paul com os outros personagens da série nos quadrinhos não deixa nenhuma dúvida sobre a sexualidade dele. E em 2012, publicada com atraso de 1 ano no Brasil, realiza-se o casamento dele e Kyle na revista Astonishing X-Men 51. E eu li esta história essa semana. Primeiro é bom explicar que a Panini Comics, no Brasil, não publica apenas uma revista por mês, a tradição brasileira é um mesmo título conter várias números da mesma revista por mês, neste X-Men Extra 136.1, por exemplo, se reuniu os quatro  números de Astonishing X-Men (48-51) que contam sobre o casamento entre o herói e seu agente. Resumindo a história: Kyle decide vir morar nos EUA junto com o namorado, ao mesmo tempo os X-Men da Escola Jean Grey para Jovens Mutantes são atacados pelos Carrascos, que estão sendo manipulados por uma vilã misteriosa. Em meio aos ataques, Jean-Paul pede o Kyle em casamento para provar-lhe que ele estava comprometido de verdade com o relacionamento deles. 
O casamento ocorre nos jardins da Mansão Xavier, onde é a Escola Jean Grey e tem a presença de quase todos os mutantes das séries dos X-Men, além dos membros da Tropa Alfa e alguns Vingadores. Uma sequência de dos quadros me chamou atenção, reproduzo abaixo: 



A sensibilidade do roteiro de Marjorie Liu não deixou de fora personagens em dúvida se eram a favor ou não do casamento; ai em cima ela cita dois, mas em determinada passagem da história, o próprio Estrela Polar afirma que nem todas as pessoas que ele convidou compareceram ao casamento; Marjorie Liu deixa claro que os personagens da Marvel, apesar de heróis, também tem seus preconceitos, eles não são perfeitos e, portanto, é normal encontrar entre eles pessoas homofóbicas também. A história é uma clássica história de casamento nos quadrinhos, como foi do Sr. Fantástico e a Mulher-Invísivel, como foi a do Homem-Aranha e Mary Jane, como foi o casamento de Ciclope e Jean Grey e também o de Pantera Negra e Tempestade, todos com a tradição da capa da revista ser uma foto dos noivos. Foi, para mim, emocionante. Não porque a história foi linda, foi comum, porém eu comecei a ler X-Men nos idos de minha adolescência porque o fato deles serem odiados e temidos por terem nascido diferentes me tocava profundamente, ler nestas páginas que eu acompanho desde que eu era aquele menino que sofria bullying  na escola, o primeiro casamento entre pessoas do mesmo sexo em uma revista em quadrinhos de super-heróis me emocionou muito. E acho que essa, definitivamente, foi a melhor maneira de comemorar o Dia Internacional Contra a Homofobia e Transfobia.



terça-feira, 14 de maio de 2013

China: O Deus Coelho



Tu Er Shen é uma divindade do panteão chinês que administra o amor e o sexo entre os homens homossexuais, seu nome significa literalmente "deus-coelho". O "Conto do Deus Coelho" consta no Zi Bu Yu, este é uma coletânea de contos reunidas por Yuan Mei durante a Dinastia Qing cujo nome significa "aquilo que Confúcio não falou" e reunia uma tradição oral que era parte do confucionismo, mas não estava dentro do esquema pregado pelo seu fundador, e ele conta que Tu Er Shen era originalmente um homem chamado Wu Tianbao, um soldado, que se apaixonou pelo jovem, inteligente e bonito inspetor imperial da província de Fujian. Wu Tianbao tentou combater seus desejos pelo inspetor, mas como era responsável por proteger o inspetor, ele o acompanhava para todos os lugares na província, foi impossível não ver seus sentimentos crescerem ainda mais. Mesmo quando ele não era necessário, Wu fazia questão de estar presente, o que não passou despercebido pelo inspetor, porém ele não sabia nada do que se passava dentro do coração do outro. Um dia, porém, ele foi pego espiando o inspetor tomar seu banho. Ele foi carregado pelos guardas até os pés do inspetor que o fez confessar o que ele estava fazendo ali, não após uma surra com varas de bambu. Wu Tianbao então admitiu que estava apaixonado pelo inspetor, que tomado de nojo, condenou Wu Tianbao à morte por espancamento. Contudo, ao chegar ao submundo, os funcionários da Morte consideraram que sua sentença fora um injustiça porque seu único crime era ter amado, para compensar-lhe então a injustiça, Wu Tianbao foi transformado em um deus para, a partir dali, proteger os amantes do mesmo sexo e protegê-los das injustiças. No seu templo, que depois de morto forçou os homens de sua antiga província a construir aparecendo aos anciões na forma de um coelho, é o lugar para apaziguar as brigas entre casais do mesmo sexo, ou daqueles que amam alguém do mesmo sexo e não são correspondidos, queimando insenso.
Este mito explica o costume comum a província de Fujian em que um homem e um jovem podiam se casar (qi), atestado por autores como Shen Defu e Li Yu (que escreveram ainda no século XVII). Neste sistema de casamento, o homem mais velho na relação desempenhava o papel masculino e era chamado de Qixiong, que podemos traduzir como amor adotivo. Este era quem pagava o dote para a família do homem mais novo, chamado de Qidi (amor novo), e é bom ficar claro que os mais virgens também tinham preços mais elevados. Li Yu descreveu a cerimônia como exatamente a mesma do casamento entre homens e mulheres. O Qidi que se mudava para a casa do Qixiong, onde ele seria completamente dependente deste último e deveria ser tratado como um genro pelos pais do Qixiong, como estes tratariam uma nora que também seria levada para a casa da família do marido. Este casal também podia adotar crianças, que seriam educadas pelo Qidi, contudo a cada 20 anos eles deveriam ter relações sexuais com alguma mulher a fim de terem filhos.Porém durante a dinastia Qing (entre 1644 e 1912), o culto ao deus Tu Er Shen passou a ser perseguido. 
Não obstante, em todo o império chinês, a gíria para se dirigir aos homens que tem comportamentos homossexuais era tuzi (coelhos). As imagens de Wu Tianbao mostravam sempre o mostravam nos braços de outro homem, apesar que se registra, a partir do século XVIII, o contrabando de novas imagens do deus coelho que mostrava apenas dois homens abraçando um ao outro, um com o cabelo grisalho e o outro bem mais jovem.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Gentileza Gera Gentileza



As pessoas não se elogiam o bastante. Eu acho. Todo mundo fica sempre pronto para lançar uma crítica, para dizer o que não gostou, para apontar o dedo e dizer onde está a falha, mas cadê o momento de comentar o que foi bem feito, o que está bonito, o que deu certo? Com a internet inclusive ficou mais fácil. Um texto apontando críticas, defeitos, falhas, se populariza rápido e se torna viral; uma imagem de crítica, de erro, de um momento da Paris Hilton sem calcinha é compartilhada por milhares de pessoas; além disso se tem a possibilidade de se manter anônimo. O anonimato e a sensação de impunidade que ele permite fazem que as pessoas acreditem que podem dizer qualquer coisa, xingar um artista conhecido internacionalmente, apontar as falhas do projeto de um governante, acusar um político ou ameaçar de morte um blogueiro (se vocês não lembram, eu fui ameaçado de morte uma vez e fiz uma denúncia para me proteger numa delegacia especializada em crimes eletrônicos). O Twitter dispara xingamentos para todos os lados vindos de adolescentes revoltados (de todas as idades). Contudo quando é que somos elogiados? 
Primeiro, o que é o elogio? A palavra, segundo o dicionário Priberam, tem dois significados extremamente distintos: o primeiro significado tem a ver com louvar uma pessoa, fazer-lhe um panegírico ou um encômio, em outras palavras, falar bem e descrever as boas características de algo ou alguma pessoa; o outro tem o sentido de crítica, como em Erasmo de Roterdã (Erasmo inclusive brinca com este duplo sentido da palavra, mesmo), e censura, associado a ironia; mas aqui ignoremos o segundo sentido, porque neste sentido, é muito comum o elogio, não é? Mas porque ninguém gasta seu tempo, energia e boa vontade para louvar outra pessoa sem nenhum motivo por trás? É disso que eu quero falar aqui: tem muita gente ai que facilmente abre sua boca para destilar elogios quando pretende ganhar algo com isso, ganhar amizade, ganhar seu coração, comer você, isso é fácil de encontrar, mas por que não temos o hábito saudável de dizer as pessoas que encontramos elogios sem nenhum objetivo por trás disso? 
Isso é tão sério que, muitas vezes, algumas pessoas não aceitam bem quando ouvem um elogio. Estamos tão desacostumados que, algumas pessoas, não recebem um elogio quando ele é feito. Estas pessoas esperam que ele seja cobrado depois, como moeda de troca, te elogio e você faz algo para mim, que muita gente não aceita quando ganha um elogio com medo de ter que pagar por ele depois. Estas pessoas sempre manifestam uma modéstia falsa neste instante, mas não tem culpa, só não estão acostumadas a ser elogiado.  Também nunca acreditamos, quando ouvimos o elogio, que ele não tem segundas intenções. É difícil um homem falar um elogio a uma mulher sem que ela considere que ele está interessado nela, o mesmo entre homens gays, talvez exista ai um agravante machista, mas nossa falta de costume com o elogio reforça o problema.
Mas, na verdade, o maior problema é que não estamos acostumados com a gentileza. Nenhum tipo de gentileza. Não ouvimos bom dia quando cruzamos com alguém pela manhã, ninguém pede licença para sentar do nosso lado, raramente alguém pede desculpas por ter nos incomodado, a verdade, as pessoas raramente percebem que estão incomodando os outros. Este é o fato: perdemos o hábito da gentileza, e sugiro, todos nós, que passemos a exercitá-lo, porque gentileza gera gentileza, não é? Então vamos começar: primeiro diremos bom dia, boa tarde e boa noite a todos que encontrarmos; pediremos licença e desculpas a quem necessário for (e peçamos desculpas pelas pequenas coisas também), mas também é uma gentileza um pequeno elogio.  Então façamos um exercício hoje? Vamos espalhar por ai elogios? Começando agora: 3, 2...

terça-feira, 7 de maio de 2013

Quem É Ele?




Ele é alto, bem magro, acho que ele gostaria de ser comparado às modelos que estampam a capa da Vogue, mas as modelos femininas, não os masculinos. Toda foto dele me parece uma propaganda do Brazil's Next Top Model, ele sempre posa, e não anda, desfila, caminha à galope. Ele é efeminado e, apesar do que muitos pensam, eu não considero isso um defeito, é uma característica dele, que somado a magreza e o universo de moda que ele convive o torna ainda mais parecido com um personagem saído de alguma página cheia de glamour de um catálogo da Victoria's Secret.
Ele estuda design. E é dessa geração que saiu do armário aos 14 anos, por isso usar peças femininas no guarda-roupa é normal, pois desafiar conceitos de sexualidade é o tipo de coisa que ele mais fez na sua adolescência recém abandonada, mas também é uma expressão artística que o universo da moda permite e estimula. Filho de uma família tradicional e rica, educado a manter os cotovelos longe da mesa e usar o garfo de peixe e a taça para água, comendo croissants trazidos diretamente da França no café da manhã sob uma toalha de linho grego, não conviveu com homofobia dentro da própria casa porque sua família estava habituada a frequentar a elite intelectual paulistana, convivendo com inúmeros artistas gays. Seu sobrenome figura em livros de heráldica, com brasão e árvore genealógica.
Seus olhos de índio são o que ele tem de mais bonito, sua mania de controle, de acreditar que pode dar sermão em seus amigos, o mais irritante. Ele é bem carente, e existe um sério problema de auto-estima e auto-imagem que eu ainda não enxerguei de onde surgiram. Ele não se vê bem do outro lado do espelho e, sinceramente, não aceita bem nenhuma crítica, toma-as como ofensas pessoais rapidamente. Teimoso, não enxerga que críticas são degraus para nos tornarmos melhores, para ele são apenas pedras que criam ondulações na superfície do lago tranquilo que é a vida dele.
Ele me pediu em namoro no primeiro encontro e eu respondi que precisávamos nos conhecer mais; de lá para cá, ele repetiu inúmeras vezes o pedido aguardando ansiosamente que eu aceite, e apesar de eu pedir que ele espere mais, ele já se considera meu namorado e faz exigências como tal. Ele exige me ver, notícias e telefonemas com uma autoridade que somente um namorado poderia ter, não ficantes como ainda somos. Essa postura me assusta e me afasta, fico a me perguntar se ele não vai ficar ainda mais intenso quando começarmos a namorar. Estou com dois pés atrás. Inclusive, eu já pensei três vezes em pedi-lo em namoro, em duas, no dia que eu decidira encontra-lo para fazer o pedido formal, ele explodiu em crises de ciúme indevidas, me mostrando sua pior faceta. Na terceira, ele pediu flores para acompanhar o pedido, e eu dei três vasinhos com ervas aromáticas, e não fiz o pedido. Não fiz por medo! Mr. Creepie acha que eu estou esperando o pior, e é verdade, não estou acostumado com o melhor, nem quando me servem numa bandeja de prata.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

O Evangelho Segundo Saturno


Deve ter terminado minha luta com Saturno, só pode. De um mês para cá, as coisas simplesmente pararam de dar em merda. É surpreendente e assustador. Mas deixem-me me explicar: desde os 29 anos, quando Saturno dá uma volta completa em torno do Sol, minha vida se tornou uma série inexplicável de percalços que reduziram minha fé, em Deus, no futuro e em mim mesmo, em minúsculas partículas. Porém, em abril, quando começa o novo ano (pelo menos o astrológico) e entrei no meu 32º ano de vida, magicamente, as coisas começaram a parar de dar errado. 
E quando eu falo dar errado, ao contrário do que muitos pensam por aqui, eu nunca fui homem de ficar esperando as coisas darem certo, as coisas simplesmente acontecerem. Eu sempre fui do tipo que corre atrás dos próprios sonhos, do que faz tudo o que está ao seu alcance para conseguir aquilo que planejou, desejou, sonhou, mas nos últimos três anos todas as minhas tentativas resultavam em estrondoso fracasso. Era difícil simplesmente levantar e continuar. Quando eu deixei Belo Horizonte e voltei para Natal, em novembro de 2011, eu estava exausto. Tão exausto que eu só pensava que a morte me permitiria algum alívio. E esse pensamento não se manteve apenas no plano das ideias, houve duas tentativas de suicídio, que no momento pareciam de fato a coisa mais certa a se fazer, hoje parecem birra de uma criança mimada. 
Foram 3 anos deveras cansativos. Ocorreram problemas em todas as esferas da minha vida: eu tinha pouco dinheiro, eu precisei espremer leite de pedra para não passar fome, inutilmente, porque foram muitos os dias que eu não tinha nada mais do que água para comer, passei fome de verdade; a tese no doutorado não fluía, eu passava dias para escrever cinco páginas, apesar de saber que eu era, facilmente, capaz de escrever cinco páginas em apenas um dia, tudo por causa da ausência completa de orientação na universidade, o que resultou, por fim, numa tese que quase foi reprovada; eu também me sentia sozinho numa cidade no qual eu era sempre um imigrante, afinal os mineiros exigem que você adote Minas como sua terra natal, adote os costumes deles, o sotaque deles, o seu modo de vida, como eu resisti a isso, eu sempre era considerado perigoso, e sim, eu sofri muita xenofobia em Belo Horizonte; e, obviamente, nem preciso contar sobre meus tremendos fracassos amorosos, sobre o sexo perigoso, as propostas envolvendo dinheiro e drogas ("a gente vai até sua casa, você me compra uma carreirinha de pó e eu te como") e os amores não correspondidos. Eu cheguei em Natal, de volta, exausto.
Ano passado então eu tentei me recuperar e mergulhei no mundo espiritual frequentando um templo universalista, fiz orações e trabalho voluntário, doei meu tempo e energia para pessoas que estavam doentes e sofrendo. Passei praticamente todo meu tempo livre dentro daquele templo nem que fosse varrendo o chão ou esfregando o vaso sanitário. Eu aceitei o desafio do sumo-sacerdote do templo quando pisei lá pela primeira vez: "Venha conosco e trabalhe, você mesmo disse que não tem mais nada, o que tem a perder?". Eu concordei e dediquei este último ano ao outro, no sentido mais cristão que estas palavras podem ter, e acho que agora um milagre aconteceu. Ou foi só Saturno que passou.
A lista, na verdade, ainda é pequena: primeiro encontrei o Mr. Creepie (que por acaso detestou este apelido), que apareceu na minha vida mostrando que, por incrível que pareça, algum homem é capaz de se interessar por mim; depois o apartamento, que um golpe de sorte juntou-me ao apartamento e a uma amiga que estava disposta para dividir; agora um aumento de salário (providencial), que não é muita coisa, mas já me permite de ter o luxo de uma internet melhor na minha casa; e agora, também finalmente, o meu diploma de doutoramento, é, por causa da minha orientadora eu ainda não havia sido aprovado, definitivamente, no programa de doutorado, somente agora, meses depois, eu sou finalmente um Professor Doutor.