Google+ Estórias Do Mundo: julho 2012

terça-feira, 31 de julho de 2012

Israel: O Código de Santidade do Levítico



O Levítico é o terceiro livro da Bíblia, parte do Pentateuco, para os cristãos, e da Torá, para os judeus, que são constituídos pelos cinco primeiros livros, a saber o Gênese, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. É considerado um dos livros históricos e sua autoria é atribuída a Moisés que o teria escrito enquanto vagava pelo deserto árabe, após a fuga do Egito; no entanto, sua escrita é provavelmente da época em que os judeus estavam sendo dominados pelos babilônicos, em 500 a.C. O Livro foi composto para servir como manual religioso para os levitas, os sacerdotes encarregados do culto que eram escolhidos entre os membros da tribo de Levi. E portanto é um manual de regras para definir como devem ser feitos os sacrifícios ao Senhor (1-7); como os sacerdotes são consagrados (8-10) e legisla sobre a pureza (11-17) e santidade do povo judeu (17-26). 
Esta legislação sobre a pureza e santidade do povo judeu é um dos elementos mais importantes deste livro. Escrito no exílio, era importante para aquela população se diferenciar dos babilônicos, seus captores, e das outras etnias que existiam em torno deles como os cananeus, fenícios, hurritas, assírios e outros. O Levítico é basicamente um livro para expressar identidade. Ele dita as leis, regras e tabus que definem as Doze Tribos isreaelitas como uma população única que dividem a mesma identidade étnica. Dallmer de Assis afirma que através deste livro as Tribos de Israel pretendem criar para si uma unidade cultual, ética e sexual.
Exilados no estrangeiro, seu grande desafio era conservar a própria identidade, para isso eles se mantinham articulados graças a práticas simbólicas (usos e costumes) que os distinguisse e separasse, ou seja, os tornasse santos (separados). Define-se, por exemplo, que quando a mulher fica menstruada, torna-se impura por sete dias, e tudo que ela tocar ou tocar nela, inclusive aqueles que fizerem sexo com ela (15:19-31); ou que se uma casa for tomada pela lepra, o chefe da casa deve imediatamente avisar ao sacerdote (14:35); que os meninos serão circuncidados após o oitavo dia de nascimento (12:3); e que animais podem ser comidos ou não (11:1-46), sendo considerado uma abominação aquele que desobedece qualquer uma dessas regras. No capítulo 18, tem-se orientações para que Israel não se comporte como as outras nações, principalmente em relação aos seus comportamentos sexuais, cita-se precisamente os egípcios e os cananeus (18:3), cujos casamentos endogâmicos nas famílias reais era comum, e em Israel o incesto torna-se tabu. "Nenhum de vós se achegará àquela que lhe é próxima por sangue, para descobrir sua nudez" (18:6), "não descobrirás a nudez de teu pai, nem a de tua mãe" (18:7), "não descobrirás a nudez da mulher de teu pai" (18:8). É neste contexto que se diz: "Não te deitarás com um homem, como se fosse mulher: isso é uma abominação" (18:22). 
No capítulo 20, estes tabus ganham pena porque ofendem diretamente ao Deus. O capítulo começa com o Senhor de Israel lembrando o contrato em que seu povo tem com ele: "Todo israelita ou estrangeiro que habita em Israel e que sacrificar um de seus filhos a Moloc será punido de morte. O povo da terra o apedrejará" (20:2). E também: "Se alguém se dirigir aos necromantes ou aos adivinhos para fornicar com eles voltarei meu rosto contra esse homem e o cortarei do meio do povo" (20:6). Este capítulo trata da participação dos membros de Israel dentro de cultos de outras religiões, e neste caso exatamente se fala dos rituais comuns em terras babilônicas em que o fiel tinha relações sexuais com o sacerdote do templo para saber a vontade do deus, mas também das leis que regem o casamento e os tabus sexuais de incesto e das relações homoeróticas:  "Se um homem dormir com outro homem, como se fosse mulher, ambos cometerão coisa abominável. Serão punidos de morte e levarão a culpa" (20:13).
Em resumo, o que o Levítico proíbe é que o povo de Israel se comporte como seus vizinhos ou seus captores. Uma "abominação" sempre corresponde a uma prática pagã e idólatra, as penas de morte só são impostas para aqueles israelitas que não se comportam como membros de sua própria comunidade adotando comportamentos que vão de encontro ao que define a sua identidade. No entanto, David Stewart propõe uma outra interpretação. Ele reforça que o contexto em que ambas as proibições aparecem é um contexto de proibição de incesto. É o momento em que se regra que mãe e filho, pai e filha, irmão e irmã não podem ter relações sexuais, Stewart questiona se esta regra não pretende falar dos relacionamentos sexuais entre pai e filho e entre irmão e irmão. A tese de Stewart é nova, oriunda de sua tese de doutoramento em 2000, e resolve dois problemas tradicionais: 1) Por que códigos israelitas anteriores ao Levítico não possuem proibições às relações homoeróticas?; e 2) Por que não existem proibições incestuosas entre pai e filho já que leis hititas anteriores são tão claras a respeito disso?




sexta-feira, 27 de julho de 2012

Seven Days

, em Natal - RN, Brasil
Saíamos do grupo espiritualista que frequento, quando Maria falou, do banco de trás do carro que nos dava carona: "Gente, hoje é sexta-feira! Vocês estão com pressa de chegar em casa? Que tal se a gente parasse para beber alguma coisa?". O meu amigo que nos dava carona concordou imediatamente, eu rendi-me a ele. Havia sido uma semana atarefada, seria bom descansar um pouco. Como não planejávamos ficar muito tempo, paramos em um posto de gasolina diante do Maranello Bistrô, uma das boates mais caras da cidade, um posto em que os filhos das famílias mais ricas da cidade estacionam seu carro, e tomam algumas cervejas, se preparando para entrar no clube do outro lado da rua, desembolsando algo em torno de setenta reais, em um dia barato. Compramos algumas cervejas e começamos a conversar, quando Maria virou-se para mim e falou: "Ascenda um cigarro para uma dama!". Surpreso, peguei o cigarro das mãos dela e ascendi, e ela tragou rápido, foi quando o nosso amigo em comum perguntou: "Maria?" e ela sorriu com covinhas que não existiam antes. "Não, Luziara". E bebeu um gole da cerveja, do copo descartável, se apresentando em seguida: "Eu sou a guia espiritual da Maria, sai com vocês hoje a noite porque vocês dois estão precisando aprender novas coisas hoje. Perguntem o que vocês tem a me perguntar". Meu amigo aproveitou e contou de seus três rolos, Luziara ordenou que ele se afastasse de dois,  mas que aquele que um com certeza daria certo, que não era o homem da vida dele, mas que eles teriam uma boa história juntos. 
Foi quando ela virou-se para mim. Sorrindo, entre a fumaça de cigarros que ela ascendia uma atrás do outro, falou: "Você foi muito magoado, não foi, querido?", eu me preparei para desmenti-la, mas ela continuou: "Não por alguém, por uma série de situações que nunca se concretizaram a contento, não foi?". Eu concordei. "Você foi magoado pelo amor não foi, querido?". E afirmou: "Você só precisa se soltar, viver a vida do jeito que ela se apresenta para você. Aproveitei, querido!". Eu retruquei que não, que apesar de estar a agora nove meses sem sexo, preferia esta situação do que viver novamente situações vazias novamente, situações que não se concretizam em nada mais além que sexo. Ela sorriu para mim, contando que foi amante de reis e frequentou bordéis, e falou: "Sexo é muito bom, querido, você não deveria abrir mão dele...", ai me olhou no fundo dos olhos, "sabe de uma coisa?", e tragou forte um cigarro mentolado, "eu vou te dar um presente... daqui a sete dias você vai receber um presente, ai a gente conversa melhor sobre isso, ok?, você me paga uma cerveja e me compra uns cigarros e nós conversamos sobre isso, novamente". Sete dias, eu calculei: dia 27 de julho.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Call Me Maybe

, em Natal - RN, Brasil



Chovia fraco, mas constante e o céu estava coberto de nuvens pesadas, uma típica noite de inverno em Natal. Mas nada que impedisse eu de mostrar a maior boate da cidade, a Vogue, ao querido Railer que visitava pela primeira vez me visitava. Em sua homenagem, brincamos, a Vogue resolveu tornar-se uma filial da TW carioca trazendo um de seus djs residentes, Felipe Lira, para tocar novamente nas pick ups que ele nasceu. Foi então durante aquela rave indoor, que em um momento que eu me dirigia a área aberta da boate, que um semi-conhecido, aqueles que você conhece somente de vista, me parou e, sorrindo, começou a perguntar como eu estava, e exclamar que não nos víamos há muito tempo. Contei-lhe que estava morando em terras mineiras, ele me abraçou e beijou meu pescoço. E eu me arrepiei a primeira vez. Contou que estava cansado, pois viera direto do trabalho, mas sentia-se muito bem, e novamente me abraçou, cheirou o 212 no meu pescoço e me beijou na bochecha. Foi quando ele sorriu e eu o olhei, de baixo porque ele é bem mais alto que eu, por volta de 1,90, eu com 1,70, e me beijou novamente a bochecha, a outra agora e o abracei, ele então beijou minha testa e eu disse que precisava encontrar um amigo. Saí e sentei com o Railer sem conseguir entender o que havia acontecido.
A noite continuou e sempre que nos cruzávamos ele sorria, e piscava para mim. O que normalmente eu considero brega, mas nele realmente parecia charmoso. E eu continuava sem entender. Nunca fomos tão íntimos para ele estar sentindo tantas saudades minhas daquele jeito. Eu percebera, inclusive, que eu nem sabia o nome dele, e ele provavelmente também não sabia o meu. Mas ele continuava sorrindo. Eu sorria, obviamente, em retorno, mas nada mais que isso aconteceu, até meus amigos decidirem, após sair da boate, parar para comer um sanduíche a meio caminho de casa. Coincidentemente, após chegarmos e todos pedirem seus sanduíches e resolvermos comer na área externa, quando passo a porta cruzo com ele entrando. Ele perguntou se ficaríamos por ali mesmo, e após confirmarmos ele entrou, mas voltou logo, com duas cervejas em lata, uma para mim, outra para ele. Pediu que eu o acompanhasse. E acendeu um cigarro.
Conversamos, ele sorria e piscava para mim. Repito, só nele isso fica charmoso. Seu cabelo loiro estava molhado da chuva e ficado mais escuro. Ele contou, então, que esquecera o telefone dele com um amigo, e respondi que não seria problema porque poderia pegar o aparelho a qualquer hora, ele concordou, mas minutos depois pediu para que eu desse um toque no celular e ditou o número, tentei uma vez e o celular tocou até desligar, ele pediu que eu tentasse uma segunda vez, que novamente tocou até cair. Comentei que o amigo dele provavelmente não estava ouvindo o celular. Ele sorriu e concordou, e viu o seu número no meu celular digitado e apontou, dizendo, Rico. Foi neste momento que eu descobri seu nome e fiquei pensando se aquilo era um deixa para eu anotar seu telefone. Porque agora ele tinha o meu gravado. Foi quando o amigo dele retornou, perguntando quem era, e eu passei meu celular para ele que falou rapidamente com o amigo, combinando como recuperar o celular, foi quando minha companhia terminou seu  lanche e me convidou para irmos. Despedimo-nos com um abraço, e ele novamente beijou meu pescoço e minha orelha me deixando arrepiado, e sorriu quando nos afastamos desejando-me um bom dia.
Eu realmente não sabia dizer se ele estava dando em cima de mim ou não. Não sabia se tinha pedido para que eu anotasse seu telefone quando disse seu nome. Não sabia como agir aquela situação, mas arrisquei uma cartada e mandei um SMS: "só para você ter meu número. se quiser ligar. Foxx". 

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Dig Din Dig Din Dig Din

, em Natal - RN, Brasil

Sábado a noite, já passam das 19h. Estou no ônibus voltando da praia de Jenipabu, onde passei uma tarde agradabilíssima com o Railer sob o sol e um arco-íris que começava nas dunas e terminava no mar, quando meu novo chefe me liga no celular. Estou trabalhando faz apenas quatro dias em uma agência de publicidade que administra contas de Twitter e Facebook de empresas e personalidades.
- Foxx, me diga que você está na frente do seu computador.
Disse ele num tom ríspido, mas sem ser nem um pouco grosseiro.
- Estou chegando lá em 20 minutos, top.
- Pois preciso que você me faça três coisas. Quer dizer, são duas.
Exigiu, me deixando um tanto preocupado. Eu pensava que eu podia ter feito algo errado, afinal eu nunca trabalhei nesta área, minha experiência não passava daqueles quatro dias. Consegui o emprego  somento por causa da indicação de um amigo, apenas isso.
- Pois diga.
- Preciso que você faça agora uma postagem sobre o dia internacional da liberdade de pensamento, que é hoje.
Eu respirei fundo, aliviado e respondi.
- Eu sei, dia da queda da Bastilha. Já fiz e já publiquei. 
- Fez?!
Surpreendeu-se, e não deixou de demonstrar.
- Sim, tem três postagens feitas no Twitter e uma no Facebook. Foram ao ar hoje, programadas, e eu também programei postagens sobre o dia do homem amanhã. 
- Programou?
Ele não acreditava que eu tinha tomado a iniciativa e feito as postagens sem consulta-lo sobre assuntos que o cliente agora cobrava que eu fizesse. 
- Sim. Você não checou nas páginas?
- ...
Ele ficou em silêncio, visivelmente procurando na internet as postagens feitas. Ele começou a ler baixinho o texto que eu havia postado.
- Qual era a segunda coisa?
Interrompi.
- Humm... é... é que o seu cliente tem gostado muito das frases com imagens que você tem feito e encomendou algumas para o Dia do Amigo. Pensa em alguma coisa para isso?
- Claro, vou pensar sim.


terça-feira, 17 de julho de 2012

Israel: A Guerra Contra Gibeá

, em Natal - RN, Brasil
Vista aérea da cidade de Gibeá.


Juízes é um dos livros históricos do Velho Testamento, isto é, da parte hebraica da Bíblia cristã. E ele trata da vida dos habitantes de Israel desde a conquista do território de Canaã até a constituição do Primeiro Reinado com Saul. Existem duas teorias sobre quem deve ser colocado como seu autor: Samuel, o historiógrafo do reinado de Saul e Davi, por volta de 1050 a.C.; ou autores anônimos durante o Exílio da Babilônia em 586 a.C., porém de qualquer forma reconhece-se que o autor é necessariamente um monarquista que acredita que o seu povo estava perdido antes da unificação sob o reinado de Saul. 
Chama-se Juízes porque era assim como eram chamados os líderes políticos, militares e religiosos do povo israelita. O primeiro foi Josué e o último Samuel; podemos ainda citar Gideão, o grande caçador, e Sansão, o de grande força, além de Débora, a única mulher com um cargo público na Bíblia. Neste livro, no entanto, no capítulo 19, narra-se o crime de Gibeá começando assim: "Naquele tempo, como não havia rei em Israel, aconteceu que um levita, vindo fixar-se no fundo das montanhas de Efraim, tomou ali por concubina uma jovem de Belém de Judá" (19:1). É importante já notar isto: o autor monarquista faz referência a uma história que só poderia acontecer em Israel porque não há rei para controlar o povo. Ele começa falando sobre como esta concubina não é fiel ao seu marido, trata disso dos versículos 2 a 10, quando ele chega a Gibeá. "O levita, porém, não consentiu. Partiu e chegou a Jebus, que é Jerusalem, com a sua concubina e seus dois jumentos selados. Quando chegaram, o dia ia declinando. Então, o criado disse a seu amo: Vem, tomemos o caminho da cidade dos jebuseus para ali passarmos a noite. Não - respondeu-lhe o amo - não entraremos numa cidade estrangeira, onde não há israelitas. Iremos até Gibeá" (19:10-12). 
Em determinado momento a descrição da história se torna uma cópia da história de Sodoma: "Tendo entrado na cidade, parou o levita na praça e ninguém lhe ofereceu hospitalidade. Ao anoitecer, aparece um homem idoso que voltava do seu trabalho no campo. Era também da montanha de Efraim e habitava como forasteiro em Gibeá, cujos habitantes eram da tribo de Benjamim. O velho, levantando os olhos, viu o levita na praça da cidade: Aonde vais? - disse-lhe ele - e de onde vens? O levita respondeu: Nós partimos de Belém de Judá e vamos até o fundo da montanha de Efraim, onde nasci. Acabo de deixar Belém de Judá para voltar à minha casa mas ninguém quer me acolher, embora tenhamos palha e feno para nossos jumentos, pão e vinho para mim, minha concubina e o jovem, meu servo; nada nos falta. O velho respondeu: A paz seja contigo. E te darei tudo o que for necessário. De modo algum deverás passar a noite na praça. Fê-lo entrar em sua casa e deu de comer aos jumentos. Os viajantes lavaram os pés, e foi-lhes servida a refeição" (19:15-21). 
A repetição da história de Sodoma continua: "Enquanto restauravam as forças, vieram os habitantes da cidade, gente péssima, e, cercando a casa do velho, bateram violentamente à porta: Faze sair - gritaram eles ao vellho, dono da casa -, faze sair o homem que entrou em tua casa para que nós o conhecemos! O velho saiu e foi ter com eles, dizendo: Não queirais, irmãos, cometer semelhante maldade, pois este homem é hóspede de minha casa. Não pratiqueis tal infâmia. Eis aqui a minha filha virgem e a concubina desse homem. Eu vo-las trarei. Vós podereis violá-las e fazer delas o que quiserdes; somente vos peço que não cometais contra esse homem uma ação tão infame." (19:22-24). Conhecer é uma expressão bíblica para falar sobre sexo, e isto é reconhecido por todos os estudiosos da Bíblia, não existe dúvida que a turba benjaminita pretende estuprar o viajante da tribo de Levi. Porém o homem o protege, ele é seu hóspede e, por isso, deve ser protegido dentro de sua casa. Pode-se questionar, porém, mas e a concubina do levita que é oferecida aos homens de Gibeá, ela também não era hóspede na casa do velho? 
É preciso afirmar duas coisas: a concubina de Belém é apresentada como infiel nos primeiros trechos do capítulo: "tomou ali por concubina uma jovem de Belém de Judá. Esta foi-lhe infiel, deixou-o e foi para junto de seu pai em Belém de Judá, onde ficou quatro meses" (19:1-2). Ao mesmo tempo, a mulher hebraica é colocada quando o viajante conhece o velho no mesmo lugar dos jumentos e do criado, como uma coisa. Nos trechos seguintes contam que ela foi sim dada a turba, que a conheceram e abusaram dela e, como resultado, ela é encontrada morta diante da soleira da porta do velho pelo próprio marido, mas eles também poderiam ter negociado um dos jumentos ou do criado, provavelmente porque ela era infiel, era para o viajante o que menos valia. 
O levita deixou a cidade em paz, porém avisou a toda Israel o que acontecera. Todos os israelitas ficaram chocados com a atitude dos homens de Gibeá e ergueram suas armas para atacarem a cidade. Acontece então uma guerra, entre a tribo de Benjamim, que reuniram 26.700 homens, e uma coligação das outras tribos de Israel, com exceção da tribo de Jabes, com 400.000. Apesar do número superior, os israelitas começaram a batalha com grandes perdas de "todos homens que manejavam a espada" (19:25), e só começaram a vencer a cidade quando um incêndio tomou Gibeá que fez os benjaminitas abandonarem a proteção das muralhas e serem perseguidos pelos guerreiros das outras tribos até perderem-se no deserto. Os benjaminitas são então amaldiçoados, "Ninguém dentre nós dará sua filha em casamento a um benjaminita" (21:1). Obviamente, este texto é uma forma de dar um motivo plausível a uma guerra das tribos que se consideravam irmãs contra uma das suas e para garantir que a opinião pública se colocasse a favor a eles é creditado o pior crime possível: o pecado contra a hospitalidade.


sexta-feira, 13 de julho de 2012

Argumentos Contra A Parada Gay

, em Natal - RN, Brasil
Em uma discussão no twitter com o @heterofobia e @rafaourives, levantei os três pontos principais que a comunidade gay fala contra a Parada Gay: primeiro, que é apenas festa; segundo, que denigre a imagem dos homossexuais por mostrar apenas promiscuidade e que ela não é representativa da comunidade gay por reforçar apenas estereótipos. Este assunto ainda está em pauta porque, apesar da parada paulista já ter acontecido, cidades como Belo Horizonte, Salvador e Rio de Janeiro estão preparando as suas ainda, aqui em Natal é apenas em novembro.

A Festa e a Política

O argumento diz que a Parada gay "perdeu" seu aspecto de ativismo e tornou-se apolítica, não passando mais do que uma micareta gay. E eu repito, este argumento é uma falácia. Primeiro, porque a parada gay não perdeu seu aspecto ativista e militante, porque ela é organizada por grupos ativistas e militantes e não por uma promotora de eventos, ela coroa uma semana de discussões que, quem acompanha sabe, acontece durante toda a Semana de Orgulho Gay das cidades que realizam. Se as pessoas não sabem desses outros eventos, aí é questionar porque não interessa aos meios de comunicação de mostrarem algo além da Parada. Outro ponto é que a parada é pensada para ser uma festa e não uma passeata. Ela é a festa que encerra a semana do Orgulho Gay.
Ai vem outro ponto: a parada não é um espaço para se exigir nada porque ela é um espaço de mostrar que os homens gays e as mulheres lésbicas, os\as transexuais e travestis, além dos bissexuais, tem orgulho de ser quem são. É um momento de comemorar o fato destas pessoas terem vencido uma sociedade que sempre te disse que eles deveriam se envergonhar de ser quem são e caminhar sempre nas sombras, ela é o momento de comemorar com alegria e cor e de sair em plena luz do dia mostrando a todos que não existe nada o que esconder. Absolutamente nada!
Critica-se então dizendo que nesta comemoração não existe nada de político. Não se acredita que a festa, per si, também é um ato político. Os romanos com seus circus maximus, os reis medievais com o carnaval, a Igreja Católica com seus dias santos, a República Francesa com seus feriados nacionais, nossos governantes com a Copa, todos eles sabiam e sabem do poder político da festa, que pode não ser ativista como o de um militante ou deputado que consegue a aprovação de uma lei, mas que funciona politicamente, de forma perfeita, no lugar do simbólico. 
É necessário pensar o que significa se fazer uma "micareta gay" em um ambiente homofóbico em que vivemos. É necessário pensar o que significa realizar uma festa gay na rua de qualquer cidade brasileira em segurança e sem ouvir xingamentos de todos os lados. É necessário também lembrar que a possibilidade desta liberdade uma vez por ano abre o precedente para que os gays possam exigir que esta liberdade possa acontecer todos os dias. Se ainda não acham que isso é pouco, a festa é sendo somente uma festa também um ação política em que homossexuais, transexuais e bissexuais tomam conta das principais avenidas de suas cidades e ficam sua bandeira dizendo que circulam também no espaço público, que este precisa abraça-los também, porque são cidadãos da cidade e as políticas públicas precisam contar com eles. A parada gay é sim, somente uma festa! Só que isso, definitivamente, não é um defeito.

A Imagem Que Se Constrói

A Parada começou com o objetivo de promover visibilidade. As paradas brasileiras tinham como objetivo inicial mostrar para a população brasileira que os gays existem, de fato, que estão entre eles, que são seus médicos, professores, artistas e advogados, era um outing coletivo. Que queria provar que existimos e exigir que não fossemos mais empurrados para as sombras dos guetos. Contudo se argumenta que as pessoas que frequentam a parada são promiscuas e que efeminados e travestis (de um lado) ou garotos musculosos descamisados (de outro) não representam em nada a comunidade gay como um todo. Falemos de cada um separadamente. 
A primeira critica é sempre que a imagem que a parada gay cria sobre os homossexuais é uma imagem de promiscuidade, que as pessoas que vão para lá reforçam a imagem (cristã) que os gays são apenas depravados e predadores sexuais. Argumenta-se que os participantes da parada gay são em 90% pessoas que vão lá apenas para fazer pegação e sem a menor consciência política do que significa a parada. Não existe comprovação nenhuma deste argumento, muito menos desta porcentagem (o que seria interessante inclusive perguntar, em uma pesquisa com os frequentadores, se estes conhecem o tema, por exemplo, da parada), mas ela é repetida sempre que o assunto é abordado. 
O pior que o contra-argumento é sempre o mesmo, também. Que se os homossexuais são promíscuos, o que dizer dos heterossexuais em suas festas (micaretas, rodeios, bailes de carnaval)? A resposta, esta sempre dada por homossexuais (que estão repetindo uma crítica heteronormativa ao mundo gay), é que no ambiente gay a promiscuidade é muito maior, mais clara, mais explícita. Mais clara e mais explícita, eu até concordo; porém maior não. Gays e lésbicas ainda são aprisionados nos guetos e pouco frequentam ambientes heterossexuais e, esta é a única explicação que consigo imaginar, não conhecem o que acontece nestes outros ambientes. Um exemplo que me é bem familiar é do Carnatal, carnaval fora de época de Natal, em que pessoas fazem sexo atrás de carros na rua e que a tv exibe beijos triplos (entre duas mulheres e um homem) e pessoas fazem competições de quantas meninas/os beijaram por dia de evento. O carnaval em cidades mineiras ou no Rio de Janeiro também não é muito diferente disso, a contagem de nascimentos de crianças em novembro no país demonstram.
Outro parte deste argumento é que os críticos não se vêem representados pelos gays que participam da parada. Este argumento é tolo, porque a parada não se pretende mais representativa. Não é mais o objetivo da parada gay requerer visibilidade, agora ela tem como tema pleitear direitos (veja: tema, não objetivo) e , por isso, não cabe a ela educar que existem mais tipos de gays que os efeminados e drag queens ou que garotos de corpos talhados pela academia. Até porque a parada em si não tem como controlar exatamente que público a frequentará, não pode proibir que certas pessoas venham e certas não e, sobretudo, se você quer que a parada gay te represente vá lá e mostre seu rosto. Esteja lá, com os frequentadores, sendo a pessoa que você é. 
No entanto, e acho isso mais importante, quem mostra que a parada gay é formada apenas por efeminados, drag queens e go go boys é uma mídia que se interessa apenas em mostrar o que é o diferente. Uma mídia (televisão, jornais e sites) que se interessa pelo extraordinário, pelo inusitado, pelo excêntrico, e se excusa a mostrar dois homens comuns, de mãos dadas, caminhando orgulhosamente sem chamar nenhuma atenção sobre si. A culpa se a parada gay reforça estereótipos não é dos frequentadores da parada é da mídia que se interessa em mostrar somente os estereótipos para que o público que só conhece o próprio estereótipo reconheça a parada como gay. A crítica não deveria ser a parada, mas a uma mídia que não se importa em falar a verdade, mas que se preocupa somente em ser entendida facilmente por uma população que não conhece nada mais do que uma iconografia preconceituosa sobre o mundo gay. 

terça-feira, 10 de julho de 2012

Deve Ser Muito Fácil

, em Natal - RN, Brasil
Em março de 2010, o ex-Menudo Ricky Martin assumiu em seu site que era gay. Ele tinha 38 anos e um histórico de abuso pelo seu próprio pai que segundo sua auto-biografia interferiu diretamente no tempo em que ele levou para aceitar-se como homossexual e ter orgulho de quem é. Em abril de 2010 foi a vez do cantor de axé, Netinho, assumir-se bissexual em uma entrevista concedida ao Fantástico. Em junho de 2010, Vanessa Carlton assumiu em um show ser bissexual e que, finalmente, sentia-se orgulhosa de ser assim e, em maio de 2011, a cantora Jessie J. disse que para as mulheres é mais fácil assumir do que para os homens. Em outubro de 2011 o vilão de Heroes e novo Spock, Zachary Quinto, assumiu também que era gay, junto a ele o âncora da TV americana ABC, Dan Kloeffer, ambos argumentando que sair do armário ajudaria as crianças que sofrem com o bullying, enquanto Marco Nanini dizia a Bravo que apesar de receber seus namorados em sua casa não via motivos para se assumir publicamente que era gay. Em fevereiro de 2012, Matt Boomer, que atuou em Friends e White Collar, aos 34 anos assumiu a sua homossexualidade agradecendo ao namorado em uma premiação. Colocadas contra a parede por Marília Gabriel, em junho de 2012, Pepê e Nenem admitiram que são gays e agora em julho, Anderson Cooper, aos 45 anos, jornalista da CNN, assumiu também, dizendo: "O fato é: sou gay, sempre fui, sempre serei e não poderia estar mais feliz, confortável comigo mesmo e orgulhoso. Recentemente, comecei a considerar se os resultados não intencionais de manter minha privacidade superam o princípio pessoal e profissional. Tornou-se claro para mim que, permanecendo em silêncio sobre certos aspectos da minha vida pessoal por tanto tempo, tenho dado uma impressão errada de que eu estou tentando esconder alguma coisa - algo que me deixa desconfortável, com vergonha ou até mesmo com medo. Isso é angustiante porque simplesmente não é verdade". 
Porém, a repercussão dessas estórias, destes atos de bravura, tem sido pífia quando não desrespeitosa  entre os próprios homossexuais. Primeiro, digo que são atos de bravura porque assumir-se homossexual ainda é um ato de coragem, seja para os amigos, seja para a família, seja sobretudo no trabalho. É necessário correr um risco ainda absurdo de perder tudo o que se possui, não é a toa que das estórias citadas acima são todas de pessoas com carreiras sedimentadas e relacionamentos familiares sólidos, porque o risco de assumir-se gay no início da carreira e ser excluído do mercado de trabalho por um preconceito idiota de que o homossexual não é capaz de ser um bom profissional existe, de fato. Veja as estórias da sambista Martinália e de Marina Lima que admitiram suas homossexualidades e foram banidas da Rede Globo por anos. No entanto, apesar desta percepção que, acredito, todo homossexual deve já ter notado e, por isso, evitar ao máximo este risco, os comentários que vemos nas redes sociais de homossexuais são, para dizer o mínimo, insensíveis.
O que vi quando Ricky Martin, Netinho, Marco Nanini, Pepê e Nenem e, agora, Anderson Cooper assumiram foi um desrespeitoso "eu já sabia" que reduz completamente o impacto da afirmação e a transforma em histórias de alcova numa nota de rodapé. Ricky Martin e Anderson Cooper, sobretudo, fizeram esta afirmação por causa de garotos que estão acabando com a própria vida em seu país, revelaram um fato que, realmente, diz respeito apenas a suas vidas privadas/particulares como um statement político. Como uma ação militante. Porém para os comentadores das redes sociais em que parecer cool e descolado é mais importante do que demonstrar capacidade de compreender e se colocar no lugar de outros seres humanos é somente o motivo para mais uma piada. Choca-me perceber que as mesmas pessoas que passam por este problema, que também precisaram assumir-se e assumir para outras pessoas, que tem por isso maior capacidade de se colocar no lugar destes homens e mulheres, não o fazem.
E só posso imaginar que seja por egocentrismo. Só posso imaginar que seja por insensibilidade. E só posso implorar: por favor, parem! Coloquem-se no lugar dessas pessoas que, primeiro, que por mais que seu radar seja ótimo (o meu também é), o de outras pessoas não é; e, segundo, o fato destas pessoas revelarem sua homossexualidade e bissexualidade é, no nosso mundo midiático, uma das melhores formas de combater a homofobia que existe. Então, no lugar de fazermos piadas, que tal se aplaudirmos e convocarmos os outros tantos que nós já sabemos que são gays (atores globais como Miguel Fallabela e Cláudia Jimenez e autores como Silvio de Abreu, Aguinaldo Silva, João Emanoel Carneiro), mas que nunca fizeram o mesmo statement tão necessário!

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Quingentésimo

, em Natal - RN, Brasil
São quinhentos posts, pessoal! E eu queria, na verdade, agora agradecer a vocês por terem lido. De verdade! Porque foram 500 postagens em sete anos, o que não é muito, mas foram quase doze mil comentários o que dá uma média de 24 comentários por postagem. E isso, para mim, é muita coisa. Quero agradecer a todos que vem aqui. Aqueles que leem e comentam, aqueles que leem mas não comentam (mas bem que você podia deixar registrado que passaram por aqui né?), mas também quero agradecer imensamente as pessoas que já comentaram aqui e foram muitos. Eu andei vendo os comentários antigos, e é muita gente que eu até tentei, mas não consegui, fazer uma lista. São muitos! E são quinhentos posts! Também quero registrar minha saudade dos muitos que abandonaram o mundo dos blogs e dos outros  tantos que deixaram de me ler porque cansaram dos meus dramas pessoais, seus links ficaram nas postagens como fósseis de amizades antigas, já os outros que estão aqui firmes e fortes eu lhes ofereço um texto que não é meu, porque eu não conseguiria registrar tão bem o sentimento de carinho que eu sinto quando cada um de vocês se dá ao trabalho de ler, comentar e me aconselhar por aqui. Roubo palavras de Érico Veríssimo:



"Sebastian Brown me pergunta como é que se traduz para o português a palavra ‘friend’.
- Amigo – respondo-lhe.
- Bem como em espanhol… devia ser igual em todas as línguas do mundo.
Ele repete a palavra, duas, três vezes, bem baixinho, como se acariciasse com os lábios.
- Amigo… amigo… o maior presente da vida.
É um grande negro. Tenho vontade de abraçá-lo. Por que será que a gente se envergonha de ser sentimental? Não quero me deixar arrastar por esta vaga quente e estonteadora. Agarro-me desesperadamente ao solo. Limito-me a olhar para Sebastian Brown, a cerrar e erguer o punho, dizendo:
- Tu merecias um sôco no ouvido!
Ele repete sorrindo:
-Amigo."

terça-feira, 3 de julho de 2012

Israel: A Destruição de Sodoma e Gomorra

, em Natal - RN, Brasil



Sodoma e Gomorra seriam cidades irmãs que ficavam na região sul do Mar Morto, as margens do rio Zerede, que se tornaram famosas na história do Cristianismo após terem sido destruídas por Deus por causa da impiedade de seus habitantes. A expressão, porém, acaba por englobar na verdade a região de mais três cidades-estado, Admá, Zebolim e Bela, que ocupavam o Vale de Sidim, uma região extremamente fértil por ser facilmente irrigada, mas que hoje se encontra submersa pelas águas do Mar Morto. 
O conto que envolve as duas cidades aparece no Livro do Gênese:

"O Senhor ajuntou: 'É imenso o clamor que se eleva de Sodoma e Gomorra, e o seu pecado é muito grande. E vou descer para ver se as suas obras correspondem realmente ao clamor que chega até mim; se assim não for, eu o saberei'. [Os anjos] partiram, pois, na direção de Sodoma, enquanto Abraão ficou na presença do Senhor". (18:20-23).
"Pela tarde chegara os dois anjos a Sodoma. Ló, que estava sentado à porta da cidade, ao vê-los, levantou-se e foi-lhes ao encontro e prostou-se com o rosto por terra. 'Meus senhores - disse-lhes ele - vinde, peço-vos, para a casa de vosso servo, e passai nela a noite; lavarei os pés, e amanhã cedo continuareis o vosso caminho'. 'Não - responderam eles - passaremos a noite na praça'. Mas Ló insistiu tanto com eles que concordaram e entraram em sua casa. Ló preparou-lhes um banquete, mandou cozer pães sem fermento e eles comeram. Mas, antes que tivessem deitado, eis que os homens da cidade, os homens de Sodoma, se agruparam em torno da casa, desde jovens até os velhos, toda a população.
E chamaram Ló: 'Onde estão - disseram-lhe - os homens que entraram esta noite em tua casa? Conduze-os a nós para que os conheçamos'. Saiu Ló a ter com eles no limiar da casa, fechou a porta atrás de si e disse-lhes: 'Suplico-vos, meus irmãos, não cometais este crime. Ouvi: tenho duas filhas que são ainda virgens, eu vo-las trarei, e fazei delas o que quiserdes. Mas não façais nada a estes homens, porque se acolheram à sombra de meu teto'. Eles responderam: 'Retira-te daí!' - e acrescentaram: 'Eis um indivíduo que não passa de um estrangeiro no meio de nós e se arvora em juiz! Pois bem, verás como te havemos de tratar pior do que eles'. E, empurrando Ló com violência, avançaram para quebrar a porta. Mas os dois (viajantes) estenderam a mão, e tomando Ló para dentro de casa, fecharam de novo a porta. E feriram de cegueira os homens que estavam lá fora, jovens e velhos, que se esforçavam em vão para reencontrar a porta". (19:1-11).

No entanto o trecho anterior, no capítulo 18, é importante para entender o que significa o conto.

"O Senhor apareceu a Abraão nos carvalhos de Mambré, quando ele estava assentado à entrada de sua tenda no calor do meio do dia. Abraão levantou os olhos e viu três homens de pé diante dele. Levantou-se no mesmo instante da entrada de sua tenda, veio-lhes ao encontro e prostou-se por terra. 'Meus senhores - disse ele - se encontrei graça diante de vossos olhos, não passeis avante sem vos deterdes em casa de vosso servo. Vou buscar um pouco de água para vos lavar os pés. Descansai um pouco sob esta árvore. Eu vos trarei um pouco de pão, e assim restaurareis as vossas forças para prosseguirdes o vosso caminho; porque é para isso que passastes perto de vosso servo'. Eles responderam: 'Faze como disseste'.
Abraão foi depressa à tenda de Sara: 'Depressa - disse ele - amassa três medidas de farinha e coze pães'. Correu em seguida ao rebanho, escolheu um novilho tenro e bom, e deu-o a um criado que o preparou logo. Tomou manteiga e leite e serviu aos peregrinos juntamente com o novilho preparado, conservando-se de pé junto deles, sob a árvore, enquanto comiam" (18: 1-8).
"Pois que Abraão deve tornar-se uma nação grande e poderosa, e todos os povos da terra serão benditos nele. Eu o escolhi para que ele ordene aos seus filhos e à sua casa depois dele, que guardem os caminhos do Senhor, praticando a justiça e a retidão, para que o Senhor cumpra seu favor as promessas que lhe fez" (18:18-19).

Richard Hays, um dos autores a estudar a Bíblia em busca de referências contra a homossexualidade, é um dos primeiros a levantar-se contra o conto de Sodoma e Gomorra. Segundo ele, é notório, que o trecho que conta a história de Ló não é pertinente ao tema. O problema é que normalmente se ignora este trecho anterior ao capítulo 19, este que dispomos em seguida que trata da hospitalidade de Abraão, o que faz com que se interprete mal o capítulo posterior e não se perceba que ele compara a falta de hospitalidade dos cananitas de Sodoma com o exemplo de Abraão. A causa desta confusão, no entanto, também tem a ver com a presença da palavra "conhecer" na fala dos homens de Sodoma. Ele dizem: "Conduze-os a nós para que os conheçamos". A palavra "conhecer", sobretudo no Gênese (além de Números, Juízes, Samuel e Reis), tem como significado também "encontro sexual" e causou essa interpretação errônea sobre o trecho.
O principal problema é que esta interpretação é medieval. Um erro cometido de interpretação ocorrido a partir do ano mil. E que faz as outras referências feitas a Sodoma perderem do seu contexto original quando lidas por nós hoje em dia. As referências feitas, por exemplo, em Deuteronômio (29:23 e 32:32) se referem aos pecados que fizeram Deus destruir a cidade, no caso da idolatria; em Isaías, Jeremias e Ezequiel, além de Amós e Sofonías, há uma comparação feita entre Jerusalém e Sodoma: "Jerusalém e Judá destruídas, por causa de sua opressão como Sodoma" (Isaías 3:9), que critica o imperialismo de Israel, o mesmo que fazia Sodoma dominar todo o vale de Sidim; já no Novo Testamento, Mateus e Lucas falam de Sodoma relacionando-a com a falta de hospitalidade, enquanto João a vê também como opressora. Essa referências, no entanto, ao serem lidas a partir da chave de interpretação criada pelo monge Pedro Damião, no século X d.C., criam uma imagem diferente sobre o texto bíblico, distinto do seu significado original, que associavam Sodoma ao pecado da sodomia, isto é, as relações sexuais sem fins reprodutivos, das quais a principal é a relação anal entre dois homens.