Google+ Estórias Do Mundo: outubro 2011

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

"De Cada Amor Tu Herdarás Só O Cinismo"

, em Av. Afonso Pena, 603 - Centro, Belo Horizonte - MG, 30130-002, Brasil


Tenho sido muito injusto ultimamente! Tenho sido muito injusto comigo. Reclamo e sofro tanto por estar sozinho. Procuro em todo lugar uma saída para esta situação como se tudo isso fosse minha responsabilidade. Como se eu fosse o causador desta solidão intensa que me encontro. Como se eu a houvesse escolhido. E, repito, injustamente me acuso, me ataco, me culpo. Acho que é por isso que sofro tanto. Acho que é por isso que essa dor me é tão querida, porque eu me castigo com ela. E, no fim, apesar de racionalmente eu saber que não sou culpado de nada, nas brumas do meu subconsciente, eu me responsabilizo por ter atraído essa solidão para mim. 
Egoisticamente (se essa palavra existe) eu queria ser o responsável por minha vida, mas não sou. Na verdade, sou totalmente incapaz de gerenciar sozinho minha própria vida. Todos nós somos. Essa ilusão de independência, esse castelo de cartas de autonomia, essa miragem de isolamento, nós dependemos o tempo todo de outras pessoas, direta e indiretamente. Do motorista de ônibus que não atrasou o trânsito e você conseguiu chegar mais cedo em casa, ao seu irmão que emprestou parte do dinheiro para comprar seu primeiro apartamento. Nós dependemos de pequenos gestos dos outros, sempre. Mas eu, egocêntrico como minha estrela anuncia, achava que o único culpado, implicado, fiador, responsável, só poderia ser eu. Tolices de um orgulhoso leonino. 
Todavia, eu não sou o culpado de nada. São os outros. Estes seres estranhos que não desejam a minha companhia. Os outros são os únicos responsáveis por não estarem na minha vida. Escolha deles. Somente deles. E, neste caso, meu sofrimento então não viria da minha solidão, mas o que realmente doeria seria o orgulho ferido de não conseguir controlar algo que considero tão importante para minha própria vida. Porque é sim importante, pelo menos para mim. Sofro porque não tenho controle algum e me culpo, me torturando, para conseguir acreditar que eu tenho algum controle sobre isso. Perco meu tempo na terapia tentando parar de sofrer só para construir uma nova ilusão de controle. Porque eu iria poder controlar minha dor, tomar as rédeas deste carro desgovernado acreditando que se eu puxá-las com força os cavalos hão de parar. Mas eles não vão.
Essas pessoas que nunca se interessarão por mim (porque de fato nenhum homem é capaz disso) sempre existirão. Essa dor, portanto, sempre existirá. Essa porrada sempre vai me derrubar, só me resta, sem culpar a mim mesmo, sorrir e me levantar. Claro, talvez, dê para evitar os golpes - evitando ao máximo me envolver com alguém, por exemplo -, mas de vez em quando talvez eu não consiga evitar. Sendo assim, qual o novo caminho? Acredito que agora eu devo tentar encarar tudo com um sorriso irônico, como se tudo não passasse de uma comédia romântica dirigida pelo Zé do Caixão. Uma comédia mórbida com um senso de humor negro, mas no fundo tudo não deve passar de uma grande piada. Só me restou esta opção, então, está na hora de adotar o cinismo. 

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Egito: As Máximas de Ptah-hotep

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
Busto de Ptah-Hotep


Ptah-hotep era o administrador da cidade e primeiro-ministro (ou vizir) durante o reinado do faraó Djedkaré Isesi, na V Dinastia, entre 2380 e 2342 a.C.. Ele e seus descendentes foram sepultados em Saqquara, na necrópole em que os grandes faraós foram sepultados também, numa mastaba ao norte. E seu túmulo tornou-se famoso pelas representações nas paredes como as que esta aqui abaixo, que o representam no seu trabalho de administração da cidade:

Decoração do túmulo de Ptah-Hotep

Os ensinamentos atribuídos a este vizir encontram-se registados de forma completa no Papiro Prisse – assim chamado devido ao egiptólogo francês Émile Prisse d'Avennes, que o encontrou na necrópole de Tebas ainda no século XIX. O Papiro Prisse foi datado do Império Médio, cerca de 1900 a.C, e hoje se encontra na Biblioteca Nacional da França. Além deste papiro, o texto ainda pode ser encontrado em dois papiros que encontram no Museu Britânico, um também do Império Médio e outro do Novo Império (a partir de 1580 a.C.), e também na Tábua Carnavon I, do Museu Egípcio do Cairo. 
Segundo o texto encontrado nesse conjunto de documentos, Ptah-hotep, já em idade avançada, solicitou ao faraó a possibilidade de retirar-se do seu cargo de vizir, solicitando que seu filho o substituisse, o que seria habitual já que na sociedade egípcia se esperava que o filho seguisse a profissão do pai. O faraó aceitou a proposta do seu vizir e este então decidiu que deveria transmitir os seus conhecimentos sobre a vida para o filho.
O texto então divide-se em: 
1) Prólogo, no qual Ptah-hotep se apresenta perante o rei pedindo a sua saída do cargo;
2) As Máximas, 37 conselhos que o vizir dá ao próprio filho;
3) Epílogo
Segundo Miriam Lichteim, este texto, no entanto, provavelmente foi composto no final da VI Dinastia, isto é, muito tempo depois da morte do vizir. Segundo a egiptóloga, as Máximas eram conselhos repetidos pela cultura popular egípcia que foram reunidos em um manual cuja autoria fora atribuída ao vizir para garantir maior autoridade aos ensinamentos. Estes ensinamentos não tem nenhuma ordem aparente, contudo versam sobre as coisas mais simples da vida egípcia, como educação dos filhos, "como é maravilhoso um filho que obedece o pai; cuidado com os campos, "se você trabalhar duro, e se o crescimento acontece como deveria nos campos, é porque o deus tem colocado abundância em suas mãos"; relacionamentos matrimoniais, "ame a sua esposa com paixão"; além de ensinamentos morais como evitar o ódio, a ganância e o ressentimento.
Sobre relações homoeróticas, o parágrafo 32 é a única referência: 

Não copule [nk] com um menino-mulher [hmtj], porque você sabe que isso (geralmente) é opor a [necessidade] ao seu coração, e isso que está em seu corpo não será acalmado. Deixe de gastar suas noites num fazer que se opõe a fim de que possa ser calmo, depois de [extinto], seu desejo. Renuncia a este desejo que ele cessará.

Mais importante do que o conselho claramente negativo atribuído ao vizir Ptah-Hotep, afinal apesar de admitir que o desejo é comum, ele deveria ser submetido a moral e controlado, acreditamos que a citação ao hmtj, isto é, o menino-mulher da tradução que utilizamos é mais interessante para falarmos aqui. 
No Egito, em sua língua, haviam três gêneros: o masculino, tai (lê-se tie); o feminino, sht (lê-se sheket); e um terceiro gênero, intermediário entre os dois, hmtj (heme) ou hmt (hemet). Os historiadores modernos, no entanto, têm dificuldade de explicar como esse terceiro gênero funcionava fora da língua, pois as pistas para descobrir como viviam estes hmtj são difíceis de encontrar. Uma das provas que este gênero é mais do que linguístico são as pinturas nas paredes dos túmulos, como afirma Jockheere. Os tai são pintados uniformemente com um vermelho-ocre, como podemos ver abaixo:


Já, afirma os historiadores especializados em História Egípcia, as mulheres (sht) representadas aparecem pintadas com um marrom-amarelado, como vemos:


Enquanto os hmtj ou hmt são decorados com um claro amarelo-ocre, como vemos abaixo:


Uma das teorias sobre este terceiro gênero é que ele seria composto por eunucos. Eunucos que seriam castrados ou pela retirada do pênis, ou dos testículos ou mesmo a retirada total da genitália. Este processo deveria acontecer, preferencialmente, ainda na infância para evitar que as transformações hormonais da adolescência causassem anormalidades como hipertofia abdominal e ginecomastia (isto é, o crescimento em homens de seios). Contudo mais pesquisas são necessárias, ainda, para podermos entender como funcionava a vida dos hmtj no Antigo Egito.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Fifty - Fifty

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
As pessoas sempre se perguntam o que elas fizeram para estarem sozinhas. Buscam a responsabilidade por esta situação em si. Teriam elas defeitos insuperáveis? Cometeriam elas erros primários ou imperdoáveis? Quando não são elas a se culparem, os outros as tomam por bode expiatório. Perguntam: Você sai? Conhece pessoas? É simpático? Se ama (o que, na verdade, é um jeito bonitinho, quer dizer, não superficial de perguntar se você cuida de sua aparência)? A culpa é sempre daquele incomodado com sua própria situação. Por quê? Fácil de explicar. 
É mais simples culpar o incomodado porque assim a situação pode ser resolvida ativamente, isto é, segue-se a premissa dos incomodados que se mudem, então, se a pessoa está incomodada com a situação cabe a ela, e somente a ela, mudar, tornar tudo mais agradável a si mesmo. Este comportamento pró-ativo vai de encontro a segunda opção, sentar e esperar que tudo mude, o que normalmente caracteriza o incomodado como aquele que banca a vítima e não faz absolutamente nada para mudar a situação. Normalmente ainda se acredita que a pessoa que aguarda passivamente o fim de sua própria solidão, na verdade, a alimenta e fica reclamando exatamente porque gosta da atenção que recebe ao reclamar. 
No entanto, este raciocínio, apesar de brilhante, deixa escapar o fato que qualquer relacionamento envolve duas pessoas. Que não importa se você faz tudo que te cabe na relação, não importa se você é o ser humano que sempre quis ser, não importa se fez todos os passos certinho como manda a música, não importa se você conhece mais pessoas do que sua agenda é capaz de suportar, não importa se você se acha o homem mais gostoso deste hemisfério (do hemisfério porque você ainda é modesto), não importa!, porque você só pode entrar com os seus 50% para aquele jogo. O outro, o parceiro - não é a toa que essa palavra substitui marido e namorado facilmente -, precisa também entrar com a parte dele. E não adianta se este parceiro entrar com 5, 10 ou 25, os 50% dele são necessários para que aquela relação flua. 
O que aprendi nesses meus anos de não-relacionamentos é que não importa o quanto você lute sozinho para que algo dê certo, sem alguém lutando do seu lado, visando um objetivo em comum, não existe chance de vitória. Então, quando agora pensarmos: "por que estamos sozinhos?", vamos deixar de pensar no que deixamos de fazer para que algo tivesse dado certo com alguém e pensar o que as pessoas têm deixado de fazer por nós. O fato é este: estamos sozinhos porque ninguém quis estar conosco!

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O "Namorido" do Professor

, em Av. Afonso Pena, 603 - Centro, Belo Horizonte - MG, 30130-002, Brasil
- Professor?
Interrompeu um aluno enquanto o professor explicava alguma coisa sobre logaritimos. Paciente, o professor voltou-se ao fundo da sala, onde o jovem estava sentado, e ouvindo risinhos, falou:
- Alguma dúvida, Marcelo?
- Sim, professor, - ele falava com um sorriso malicioso dependurado na sua boca de lábios quase inexistentes - eu tenho uma dúvida sim.
- Então pergunte, ora...
O professor notara naquele instante que risinhos contidos pipocavam por toda sala, como se todos soubessem e compactuassem com a fala que Marcelo já mastigava entre os dentes, preparando-se para cuspir. 
- Pois bem, professor, é verdade... - ele deu uma risadinha neste instante - ... é verdade que o senhor almoça todas as quintas com o seu namorado?
Enquanto gargalhadas explodiam, o coração do professor acelerou rapidamente e por um instante ele sentira sua face corar. Sobretudo porque era verdade.
Toda quinta-feira, seu dia de folga nas escolas em que trabalhava, ele aproveitava para encontrar, sempre as 13h, em um shopping no centro da cidade, aquele que ele costumava referir-se como "namorido", não obstante as insistentes queixas, objeções e alegações de breguice do mesmo.
Ele lembrara-se que ontem fora quinta-feira, inclusive, e que seu "namorido", enquanto almoçavam e falavam sobre coisas bobas do seu dia a dia, em um momento, segurou-lhe as mãos por um momento e as beijou, dizendo que vê-lo no meio do expediente fazia com o resto do dia fosse muito mais fácil.
- Então, professor - escarniou agora um menina de cabelos negros e olhos curiosos - é verdade ou não?
- Sim, Bianca - recuperou-se o professor, já caminhando em direção a seu primeiro inquiridor - é verdade sim. E olha a coincidência... - e fez uma pausa dramática, posta ali, engenhosamente calculada, para que ele pudesse avaliar o resultado de sua afirmação, a classe estava em silêncio sepulcral - ...ele também se chama Marcelo.
E voltou para a frente da turma, com um sorriso no canto da boca.


FELIZ DIA DOS PROFESSORES (ATRASADO)



PS: Ali do lado, a esquerda, na sessão OUTROS MUNDOS está o link do meu Tumblr. É um espaço para exercitar minhas habilidades como fotógrafo e desenhista. Eu pensei em explorar isso aqui no blog, mas isso roubaria espaço para os textos e os comentários. Então, passem por lá também, será um prazer.  

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Nancy Spungen

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
Foi numa quinta-feira a noite, no Imperial, que reencontrei meu amigo baterista. Um dos poucos amigos heterossexuais que possuo. Ele estava em turnê com sua banda pelo sudeste, e me ligou quando pisou em Belo Horizonte horas antes. "Pois é, cheguei, vamos tocar no Velvet (acho que é esse o nome), vamos terminar de passar o som lá pelas 19h e já devo ficar por lá mesmo". Combinamos então de nos encontrarmos no Imperial, um bar defronte ao clube indie rock em que ele tocaria naquela noite. Cheguei as 20h, horário em que marcamos, e sentamos, junto com a banda, e colocamos o papo em dia. Trabalho, a banda, amigos em comum do período de faculdade, nossos antigos professores, notícias, filhos, do divórcio dele e do segundo casamento. Foi quando, em uma conversa sobre menáge a trois, a suprema fantasia sexual dele, a guitarrista da banda, lésbica, comentou que não sente a menor falta de pau. "Pois eu sinto, e muito", eu disse. Meu amigo gargalhou alto do meu lado. "Demorei anos p'ra ouvir essas palavras, mas valeu a pena". Ela não entendeu, e ele contou quem eu era quando nos conhecemos. "O Foxx (adoro a sonoridade deste nick), quando nos conhecemos, não se aceitava. Ele fingia p'ra todo mundo ainda". Ela me olhava incrédula. "Ele tem esse jeito low profile, nunca foi uma bicha escandalosa, mas sempre deu p'ra perceber que ele era gay, mas ele não aceitava isso". Ela continuava chocada, e eu me lembrava de um passado muito distante, como quem escuta a estória da vida de outra pessoa. "O problema sempre foi", disse eu, "que eu nunca me via como as pessoas me enxergavam, eu não conseguia entender porque ser gay estava tão estampado no meu rosto, se na minha cabeça eu não via nenhuma diferença entre meus comportamentos e dos outros meninos... mas havia... quando notei isso, e aceitei, minha vida ficou muito mais fácil". Continuamos a beber as Heinekens que os belos garçons do Imperial nos traziam. Falamos do meu blog e do twitter, que ele ainda não conhecia. Falamos da minha experiência em Belo Horizonte, dos planos e decepções que tive por aqui, minha tese, minha falta de namorados. "Sério que você ainda está nessa?", surpreendeu-se ele, "Cara, a gente se conhece desde 2000, e você ainda não encontrou ninguém?". Argumentei que se ninguém quer estar comigo, não posso obrigá-los e ele tentou me empurrar a baboseira de que se você acredita nisso, realmente acontece, e eu mandei ele parar de ler O Segredo. Coisas que só amizades de anos permitem mesmo. Falamos sobre meu retorno a Natal, ideia que ele não gostou. "Aquela cidade nunca serviu p'ra você", disse. Falei que se fosse tentar em outra cidade, seria o Rio de Janeiro, se eu pudesse ter escolha. Por causa dos amigos que fiz lá, eu pensava no Bruno, obviamente. "Sei, eu te conheço, rapá. Conte logo essa estória direito", disse carregando no sotaque natalense, que ele, paulista, nunca teve. "Ok, tem um menino, mas ele tem namorado...". Ele gargalhou alto. "Você vai lá roubar o cara do namorado dele, seu sem-vergonha?". Rimos juntos. Ele falou que acabara de chegar do Rio onde encontrou meu irmão mais novo que havia ido ao Rock In Rio. Falamos sobre nossas famílias, meus irmãos, os dele. Mais notícias, sempre boas notícias. Até que chegou a hora do show, entrei com a banda e vi os vi tocar de perto do palco. Rock de verdade faz um bem danado. Foi impossível não lembrar de todas as outras apresentações que eu assisti dele, de como, naquela época, eu sempre estava isolado porque eu não me aceitava e temia que qualquer um descobrisse que eu era gay. Ali, no entanto, era diferente, se eu ficasse com alguns dos presentes seria normal. Principalmente, seria normal para mim. No entanto, me concentrei no show, e observei ele suar muito na bateria até terminar, de pé, batendo forte nos pratos feitos por encomenda, até rachar as baquetas para delírio dos presentes naquele clube pequeno e escuro. Foi quando ele desceu, findo a apresentação, suado e me entregou as baquetas. "P'ra você!". E, sério, nunca me senti tão Nancy Spungen como naquele momento. Pelo menos o máximo do que eu poderia ser a Nancy dele.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Egito: O Livro dos Mortos

, em Belo Horizonte - MG, Brasil


Papiro do Livro dos Mortos

O Livro dos Mortos, ou como era realmente conhecido pelos egípcios, o Livro Para Sair Para a Luz (Reu nu pert em hru) é uma coletânea de feitiços, fórmulas mágicas, orações, hinos e litanias que eram escritos em papiro e depositados juntos com as múmias em seus túmulos, cuja autoria era dada ao deus Thot, deus egípcio da sabedoria. O nome Livro dos Mortos foi dado pelo egiptólogo alemão Karl Lepsius por encontra-los sempre junto aos mortos nos túmulos egípcios.
Este livro, na verdade um conjunto de textos escritos em diferentes épocas, servia para ser utilizado pelo morto na sua viagem a terra dos mortos, evitando que este se perdesse, ou caísse nas armadilhas que demônios poderiam armar contra ele, destruindo sua alma (ba) imortal. Diz Maurice Crouzet que ele garantia uma jornada segura ao defunto até o Ocidente, isto é, o por do sol, a terra dos mortos. A ideia central do Livro é a da verdade e da justiça, ideais da deusa Maat, e portanto não adiantariam de nada a riqueza, posição social, pois apenas os atos do falecido seriam levados em conta no julgamento presidido pela deusa e por Osíris, o grande governante do além egípcio.
Como afirma Kurt Lange essa ideia de que o morto seria julgado por sua conduta moral após a morte era única entre as religiões da Antiguidade, pois tanto entre os mesopotâmicos e os hebreus, por exemplo, a vida eterna não dependia das ações do indivíduo enquanto estava vivo. Tal ideia de julgamento após a morte era uma preocupação intensa entre os egípcios e, portanto, o Livro tornou-se muito popular. Apesar da autoria dada ao deus, um autor é reconhecido como um daqueles que produziu parte dos textos que configuram o Livro: Snefferus Karnak.
Neste livro, apenas duas estrofes, no capítulo 125 do Livro, referem-se diretamente a relações homoeróticas, sendo que esta versão é da XVIII Dinastia (de 1550 a 1295 a.C., a dinastia em que reinou Akhenaton, o faraó maldito, que instituiu pela primeira vez o monoteísmo, proibindo o culto aos deuses tradicionais do Egito):

(A20) Eu não penetrei um nk (homem efeminado)
           ou um nkk(w) (homem passivo);
(A21) Eu nunca cometi atos de impureza nos lugares sagrados de minha
           cidade, e nunca descumpri meu voto como sacerdote;


(B20) Que o mal se abata sobre mim, Senhor que vê acima e através de mim,
           que está mais próximo do Templo de Amsu [Min], eu nunca cometi
           pecado contra a pureza;


(B27) Que o mal se abata sobre mim, Senhor que vê o passado,
           que vive em Mênfis, a cidade sagrada, se alguma vez desrespeitei
          sua casa com atos de impureza, como me deitando com homens
           ou mulheres;

O texto do Livro dos Mortos egípcio parece ser claro, contudo não é. Se o verso A20 for lido sozinho a crítica aos relacionamentos homoeróticos é direta, sendo a crítica aqui inclusive rara porque critica o relacionamento do ponto de vista do ativo, porém ao relacionar com o verso A21, isto é, lidos em conjunto, demonstram que a crítica no Livro é aos relacionamentos sexuais cometidos em lugares sagrados, sobretudo os realizados pelos próprios sacerdotes. O verso B27 é outro que explica que não importa se os atos sexuais impuros eram realizados com homens ou mulheres. E, no Egito, os atos sexuais eram considerados impuros, o pecado contra a pureza citado no verso B20, quando feitos em momentos do ano, durante as festas religiosas, em que qualquer tipo de relacionamento sexual era interdito.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Uma Resposta Para Três Perguntas

, em Av. Afonso Pena, 603 - Centro, Belo Horizonte - MG, 30130-002, Brasil
Fazia muito frio apesar de já ser primavera e havíamos acabado de chegar da Casa Fiat de Cultura, onde tínhamos visitado a exposição Roma - a vida e os imperadores, e o Anjo me convidara para subir ao seu apartamento. "Tô precisando conversar, Foxx, e sei que seus conselhos são sempre bons!". Subi ao 13º andar junto com ele e sentei no sofá do apartamento, jogando minha bolsa-carteiro na mesinha de centro, ele deitou no sofá, no mesmo que eu estava, com a cabeça em meu colo e começou a falar. "Acho que vou me tornar monge budista". E contou que conhecera um fulano há algum tempo, um fulano que era muito ocupado, mas que ele estava interessado, gostara dele e me perguntava se deveria investir. "Tenho medo sabe? Medo de me envolver, de acontecer alguma coisa, de eu me machucar". Avisei-lhe que o risco dele se machucar sempre existiria, mas isso não é motivo para evitar se envolver. "Nada prova que você sairia magoado nesse relacionamento, meu querido Anjo". Ele sorriu e, me olhando nos olhos, acabou concordando. "Acho que sou pessimista demais mesmo, já acho que vai dar tudo errado e eu nem tentei", afirmou ele, "é que ele tem um blog, e lá ele fala que gosta de alguém, mas não sei se ele está falando de mim", nesse momento eu parei e pensei: "será que ele está falando de mim?".
Foi ainda deitado no meu colo que, ainda sorrindo, o sorriso dele que ilumina os lugares onde ele está, ele me perguntou: "E você? Como anda? Tenho visto seus comentários no Facebook, comentários que tem me deixado bem preocupado com você, por sinal". Eu sorri e tentei desconversar, mas ele insistiu. "Amigos servem p'ra isso, ora, mas você precisa se abrir". E eu falei sob os olhos atentos dele. Falei porque eu me sinto tão mal ao estar sozinho, que isso é um problema de aceitação, porque não recebi aceitação e carinho da minha família. Falei que sempre fui uma pessoa solitária, sem amigos e que os namoros que tive foram apenas virtuais, "eu não acredito que você já namorou alguém pela internet!", chocou-se ele. Contei da ameaça de morte por um dos meus irmãos, e de como meus pais preferem um filho morto a um filho gay. Ele se compadeceu e logo levantou-se e me puxou para o peito dele, onde ele tentava agora, me consolar. "Estar com alguém, no fundo", dizia eu, "significa que nada do que eu passei, do que eu ouvi dos meus pais e irmãos é real". Ele me olhou compadecido e, nesse momento, eu parei e pensei: "será que ele está com pena de mim?".
Já era meia-noite quando conversávamos, então o Anjo convidara-me para pernoitar em sua casa. Ele prepara  um colchão ao pé de sua cama. Foi quando reclamou de uma dor nas costas, além de uma crise de rinite, eu então me ofereci para fazer-lhe uma massagem para as costas, e uma sessão de reiki para a rinite. O reiki, uma técnica de cura japonesa, foi primeiro, porque eu sabia que já lhe deixaria mais relaxado. O Anjo inclusive chegou a cochilar rapidamente. Desperto, ele cobrou a massagem, deitando-se de bruços. Massageei-lhe as costas então, sentado sobre suas nádegas, quando ele falou: "Nossa, sentado assim na minha bunda você me deixa excitado!". Eu preferi não responder. Apenas continuei a massagem, todavia, quando terminei, o Anjo puxou-me para deitar com ele na cama e me abraçou, me aninhando no peito dele. Foi quando olhei para cima e ele me olhava firmemente, até que nossos lábios se aproximaram num beijo tímido, que logo cresceu até explodir em um sexo carinhoso, no qual os dois procuravam dar prazer ao outro e que denotava uma intimidade entre nós que eu nunca havia experimentado antes. Ele estava dentro de mim olhando sempre dentro dos meus olhos. Mas quando, no outro dia, eu acordei ao lado dele, nos tratamos como amigos, como se nada demais tivesse acontecido, como se tivesse acontecido apenas uma brincadeira inocente, eu parei e pensei: "será que ele só estava com tesão mesmo e, por acaso, eu era o único que estava lá?".
Na outra semana, o Anjo me ligou. "Ah, você vai fazer alguma coisa esta noite? É que eu 'tô sentindo falta de sua companhia! Vamos fazer qualquer coisa!". Eu, claro, concordei. Só troquei de roupa e já saí para encontrá-lo na porta de sua casa. Saindo de casa, ainda liguei para o Bruno contando o que estava acontecendo e ele, mais que eu, ficou todo animado. Cheguei já passando da meia-noite na porta do prédio dele e saímos para um bar ali perto: o Imperial. Sentamos numa mesa dentro do bar e uma das garçonetes, sorridente, veio nos atender. "Gente, há quanto tempo você não aparece por aqui". Surpreendi-me por ela me conhecer, se é que ela sabia mesmo com quem estava falando. Bebemos falando sobre Dostoiévski, musicais de Hollywood, parada gay do Rio de Janeiro e putas de Almodóvar. E por volta das 3h da manhã retornamos para a casa dele e, não demorou muito, já estávamos novamente entre beijos, sexo e gemidos que duraram até amanhecer. Foi ótimo, novamente! Dormimos juntos até meio-dia quando acordamos com o celular dele tocando. Era o tal, dono do blog que ele conhecera. O tal, cujo nome não me recordo, o convidava para sair, passaria lá em 15 minutos, e ele pulou da cama para banhar-se e encontra-lo. Desci o elevador com ele, com a resposta a todas as minhas perguntas bem claras naquele momento. Ele sente falta da minha companhia, porque eu sou uma boa companhia para sair; para ter bons papos, inteligentes e divertidos; para aconselha-lo quando ele tem problemas e, porque não, também sou ótimo para ter sexo casual, afinal sou bonito e bom de cama, porque não?, contudo, não sirvo, e não é apenas para ele, é para qualquer um, não sirvo para namorar. Para esta categoria, de namorado, ninguém considera que eu sirvo e, é por isso, que continuo sozinho.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Dialogismos Egodistônicos

, em Av. Afonso Pena, 603 - Centro, Belo Horizonte - MG, 30130-002, Brasil
- Bem, eu acho que o grande problema dos relacionamentos gays é a homofobia internalizada, Foxx.
- Como assim?
- É... acho que a maioria desses viados, na verdade, não se sentem aptos a ter um relacionamento feliz. Um relacionamento completo. Acredito que a maioria dos viados deste planeta acham que não merecem um relacionamento feliz porque como são gays não merecem a felicidade.
- A maioria?
- Sim, a esmagadora maioria. Eles acreditam que somente o heterossexual merece ter um relacionamento feliz porque ser gay é errado, então, eles sabotam seus relacionamentos porque na cabeça homofóbica desses viados, eles não têm o direito a felicidade.
- Por causa disso então a promiscuidade, por exemplo?
- Olha, eu sei bem que você está querendo me pegar de calças curtas com essa pergunta. Sei que a única resposta que você vai aceitar é que a promiscuidade não é ruim, porque você acha que a acusação de promiscuidade não passa de machismo embutido, contudo, você há de concordar comigo que o comportamento promíscuo existe e, p'ra mim, esse comportamento é resultado desta homofobia sim. Esses viados não são promíscuos porque querem fazer sexo com o maior número de pessoas possível, eles fazem sexo com o maior número de pessoas possível para serem promíscuos e assim fugirem de relacionamentos.
- Você acha mesmo isso?
- Acho, Foxx... acho sim. Obviamente não são todos os gays que sofrem desse problema, mas a grande maioria, pelo menos. Afinal, somos educados a achar que ser gay é errado, não é?
- Será?