Instruções: Aperte play e siga lendo.
Foi em uma sexta a noite, que começou com um chá das cinco, que minha ex-orientadora do mestrado me incentivou a sair. "Saia, você é jovem, tem mesmo é que sair e paquerar, e se apaixonar. Se apaixone que isso alimenta a vida. Um rostinho lindo como seu deve fazer sucesso". Palavras de quem gosta de mim, na verdade. Eu não faço o menor sucesso. A noite estava lá para comprovar.
Saindo da casa dela, liguei para o Andarilho, e ele logo animou-se para me encontrar no Kafofu. "Pode deixar que eu ligo para Peter e a gente se encontra lá". Concordei, apesar de avisar que tinha que deixar os livros que ganhei da minha ex-orientadora em casa ainda. Chovia pouco, mas chovia, e eu não queria que eles se molhassem. Também aproveitei para tomar um banho e trocar de roupa, afinal era uma sexta a noite.
Cheguei um pouco atrasado no Kafofu, afinal eu cruzo quase toda Natal para chegar da minha casa ao bar. São dois ônibus, ou quinze minutos de caminhada até um ponto de ônibus onde passa um que faça o trajeto direto. Além de minha mãe reclamando que eu ía sair na chuva. "Você não tem carro, não devia sair na chuva", ela diz enquanto fecho a porta, e eu cruzo a garagem onde o carro do meu irmão mais velho está lá parado. "Numa casa com três carros e uma moto?
Really?".
No Kafofu, fui recepcionado pelo Peter me elogiando também. "Menino, que corpo você 'tá! Atlético!". E rimos juntos e brindamos. Cervejas com dois dos meus melhores amigos e conversas. Muitas conversas. Sobre o namorado do Peter, do menino que o Andarilho tem um rolo que vai e volta, e sobre meu ex, o Pequeno Príncipe daqui. Sobre traições e ciúmes, sobre brigas e reconciliações, sobre sexo e reconciliação, sobre amor, sobre amizade e sobre a Vogue.
"Vamos p'ra Vogue então?", convido. O Andarilho se anima, culpa das cervejas, e decide ir. Peter não podia. Medo da reação do namorado que viajava naquele fim de semana, preocupação com o trabalho de designer no sábado pela manhã. "Eu trabalho com criação, criar bêbado não dá!", tenta ele nos convencer, mas sabemos qual o real motivo, mas isso acontece, é melhor evitar o perigo.
De táxi, eu e o Andarilho corremos à casa dele para ele trocar-se e depois para a boate. Na fila, à entrada, os amigos já aparecem. Conheço muita gente. Uma amiga do Bob nos permite furar a fila. A
Drag residente me cumprimenta na porta. E lá dentro muitos amigos queridos também: Dim e o namorado, Música, AP, Carol. E vários outros. Beijos e abraços, reclamações porque não dou notícias e porque meu doutorado demora tanto para terminar, ouço tudo conforme avanço, puxado pelo Andarilho para o
dance, entre as pessoas que esperam ansiosas a banda começar a tocar. Naquela noite, Grafith faria uma apresentação em homenagem a Lady Gaga. A boate lotada esperava ansiosa.
Na fila, enquanto aguardávamos, bebemos com a amiga do Bob o martini que ela trazia. Lá dentro, mais cervejas e cigarros
Dunhill Créme. "Ah, só podia ser esse cigarro mesmo. Não posso vê-lo que já lembro de você. O cheiro dele já me lembra você". E logo o Andarilho encontra com um menino, bonito e simpático, e eles já estão entre beijos. Eu continuo sozinho. Dançando, circulando entre grupos diferentes de amigos. Perguntam sobre como é Belo Horizonte, as boates de lá, os bares e os homens; perguntam sobre minha tese, sobre como é o mercado de trabalho para historiadores, sobre quais meus planos para o futuro; perguntam se estou solteiro e diante de minha afirmativa perguntam sobre o Príncipe que eu havia conhecido e sou obrigado a dizê-los que terminou. Amigos, e mais amigos.
Foi aí que um amigo perguntou: "'Tá achando que tem muitos gatinhos aqui hoje, amigo?". E já eram quatro horas da manhã, quando havia combinado com o Andarilho para sairmos dali e eu notei que não sabia. "Sabe de uma coisa? Juro que nem notei se tinha alguém bonito do meu lado hoje, além de você é claro né, AP?". Ele riu com o gracejo, mas era realmente verdade. Não estava ali a procura de beijo na boca ou qualquer coisa do gênero. E me senti surpreendentemente bem com isso. E percebi que isso é bem possível. Divertir-me numa noitada como essa, sem me preocupar com homens. Este é meu futuro. Ao contrário do que minha ex-orientadora supõe "meu rostinho lindo" não faz com quem ninguém se interesse por mim, e como agora eu também não estou muito interessado no que os homens têm a me oferecer, noites como essa, divertidas e nas quais não conheci absolutamente ninguém novo, serão bem comuns.